terça-feira, 9 de abril de 2013

Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade





Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade

Dedicado a Jeferson Ribeiro de Andrade

Dário Borim Jr.

É na meia-idade que muitos se tornam avós. E perdem seus pais. Filhos se formam da faculdade, têm filhos, e filhos morrem de acidente. Filhos assumem um grande emprego, e filhos se movem, quando se movem, à deriva. Nossos pais comemoram com alguma festa os seus 70, 80 ou 90, mas envelhecem rapidamente, perdem a memória, perdem a capacidade de se locomover, ou perdem a consciência, isso quando ainda não se despediram de nós, é claro.

 Amigos se redescobrem também, estejam onde estiverem. O FaceBook ajuda. Ficamos sabendo melhor o que é a alegria e o drama de se passar por esses anos da meia-idade.  A morte, a solidão, e o desencanto com a vida assolam a paz de muitos de nós. Olhamos para trás. Olhamos para frente. Para cima e para baixo também. Para o que temos, o que tivemos, e nunca tivemos. Para o que nos incomoda e para o que ainda podemos sonhar em fazer. Há tempo ainda. Há disposição ainda. Temos coragem, mas temos consciência de que em todos os cantos onde podemos, desejamos ou não desejamos morar (bairros, cidades, estados, ou países diferentes), haverá desafios, com suas perdas e ganhos.

Nesse sentido, como dizia o existencialista Jean-Paul Sartre, a vida é Sem Saída, título de uma de suas peças. Não adianta. E esqueçamos por ora o significado da vida. Ferreira Gullar fala bem ao ironizar os existencialistas. A vida não tem nenhum significado sem você. Você é quem dá significado à vida. Se quiser olhar só para baixo e pensar que a vida é só baixaria, ignorância, tristeza e violência, não falta argumento, não falta exemplo concreto de que é isso mesmo. E vem lá desgraça: desemprego, desamor, dívida, desespero, desentendimento, desunião, doença... Só com a letra "d" eu conseguiria encher essa crônica de desencanto, depressão, demência, debilidade, desconserto, etc, etc.

Não vale pena a manter o queixo somente inclinado para trás, não, e assim se sentir de alma lavada ao proclamar as tristezas da vida. Eu prefiro não me esquecer delas exatamente para ser razoavelmente realista, mas, também, para saber valorizar melhor e comemorar com mais zelo o outro lado da moeda. As oportunidades. O carinho.  A saúde. O amor. A amizade. A coragem. A alegria de viver! Vejo, porém, que olhando para os dois lados, expondo-me à dor e ao sabor da vida intensamente, pago um preço e me vejo questionando meu olhar, minha sensibilidade e, com ela, minha vulnerabilidade aos altos e baixos.

Quando questiono (sim, questiono até hoje) a minha opção de morar no exterior, e já foram três vezes em que optei por morar nos Estados Unidos, saio desse questionamento com mais perguntas e algumas conclusões. Que teria sido de mim se eu tivesse dito NÃO em alguns daqueles momentos de dúvida: mudar ou não mudar do Brasil? São muitas as indagações, mas uma é meio curiosa e me traz um sorriso como ao comer um chocolate escuro, gostoso e meio-amargo. Conclui que tenho uma veia quase masoquista (uma só entre tantas veias?). Lembro-me que, um dia desses, eu disse assim para mim mesmo: se você for infeliz no exterior, você pelo menos terá assunto para escrever suas crônicas e seus livros. Grande recompensa, eu ironizo hoje.

Então tomem essa crônica como uma barrinha de chocolate escuro, gostoso e amargo. Na verdade não era isso não que eu queria fazer, oferecer-lhes essa barrinha. Mas é que a meia-idade é barra mesmo, gente. Já temos nossos laços emocionais, profissionais e sociais atados ao lugar onde vivemos, mas não estamos felizes. Temos o conforto da estabilidade que vem do que criamos, mas já estamos cansados de viver destituídos de valores que renegamos para vir e ficar onde estamos. Temos ânsia de mudar, e medo de perder o que temos. Temos décadas e décadas de vivência, de muitas lembranças, mas temos a certeza cada vez mais forte de que não nos restam muitas décadas de vida, talvez nenhuma, talvez nem mais um ano.

Aquela certeza cresce enquanto crescem nossas dúvidas sobre o que fazer nessa tarde, antes do sol se pôr. Se passarmos da última hora do Ângelus, o que a noite nos trará? Ao assistir a uma entrevista com o poeta e músico Leonard Cohen, ouvi dele, aos 70 e poucos anos de idade, a seguinte observação: não me importo quase nada com a morte, mas sim com os preliminares dela, as condições em que estarei ao me aproximar dela. Então vejo que para muita gente a reaproximação aos velhos amigos é uma opção. A humanidade está vendo sobreviver uma multidão de idosos. Comparado com outras eras, o mundo de hoje é de muitas pessoas chegando aos 80, 90 e até mesmo aos 100 anos de idade. Por causa disso até a definição de meia-idade já mudou, mesmo que, segundo o Dicionário Aurélio, essa idade ainda seja aquela entre 30 e 50. Então já estou na terceira-idade há quase quatro anos. Quem, eu?

Mas como viver até o fim daquela idade avançada, a dita terceira-idade? E quem cuidará de nós, se nessa idade estivermos incapacitados, seja física, emocional ou financeiramente? Será que mais e mais amigos idosos tentarão morar juntos até que a morte separe cada um deles dos demais? Será que mesmo antes desses anos, mas já em plena meia-idade, os velhos amigos não poderão se reunir mais amiúde? Quem sabe uma vez por mês se verão num coreto, bar ou restaurante, para trocar idéias, trocar sugestões e impressões de livros, filmes, peças teatrais, trocar conselhos, dores,  preocupações, apoio e carinho? 

Minha irmã Silvinha, seu marido José Codo, e alguns de seus melhores amigos se reúnem assim. Há entre eles até mesmo homens e mulheres que um dia foram casados entre si. Não o são mais, mas lá estão, como amigos, se vendo a cada quatro semanas, melhorando a qualidade de vida de quem já criou os filhos, viveu amores e desamores, teve uniões e separações, viu neto nascer e mãe morrer. É gente que sabe bem como que pouco nesse mundo se compara ao prazer da amizade alegre, carinhosa, divertida, descompromissada, profunda e sincera. Quem sabe não é essa uma das melhores barras de chocolate, saudável e saborosa?



domingo, 10 de março de 2013

Nosso Carnaval 2013


Nosso Carnaval 2013


Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu





Na folhinha deste ano, a Festa de Momo chegou mais cedo que quase todos os outros Carnavais que passei em meu país. Curiosamente, para mim, que vivo num vai-e-vem entre os Estados Unidos e o Brasil há quase 32 anos, o feriadão foi um daqueles que chegaram mais tarde, pois tive que esperar cinco anos. Recordo-me de que, seguindo a tradição híper-carnavalesca de tio Delmo, fui eleito o Folião do Ano do Ideal Clube em 2008. Naquele ano, quase todos os meus chegados gostaram da festa, e eu, em particular, pulei quase que eufórico, a compensar pelo atraso de oito anos sem curtir uma festa daquelas em Paraguaçu.
Quase tudo muda nesse mundo, e o Carnaval da minha terra não é exceção. O Carnaval deste ano teve seus pontos positivos e negativos, como era de se esperar. Dois polegares para cima vão para a decisão de fechar as ruas que dão acesso à praça Oswaldo Costa. O clima por todas as áreas do jardim estava tranquilo. Vi muitas famílias com crianças e idosos a curtir as noites animadas por uma banda em palco instalado junto ao Bar e Restaurante Casarão. Na terça-feira desfilaram uma modesta escola de samba e alguns blocos, inclusive um de pessoas na terceira idade. É claro que muito pode ser efeito pelo poder público em prol de uma festa maior, melhor decorada, e mais animada. Espero que isso venha a acontecer nos anos seguintes, estando agora a cidade sob nova administração. Uma recomendação seria a de pesquisar como são preparadas e patrocinadas as comemorações públicas em outras cidades, como as de Elói Mendes e Fama.
Para aqueles que a cada ano participam ou pelo menos cogitam participar dos bailes de carnaval do Ideal Clube, algumas palavrinhas. Em primeiro lugar, o óbvio: o Carnaval de Paraguaçu não morreu. Quem foi ao Ideal Clube esse ano não encontrou seus salões lotados, mas também não os viu vazios. Quem lá foi, pareceu-me, divertiu-se muito. No palco, dois grupos musicais, Longa Metragem e Banda Absoluta, revezavam-se. Uma banda tocava as deliciosas, tradicionais e consagradas marchinhas e sambas de raiz. A outra se encarregava de ritmos variados, contemporâneos, como o axé e o sertanejo universitário.
O Carnaval do Brasil, desde as suas origens, tem sido uma festa de música em múltiplos estilos que se diferenciam de tempos em tempos e de região para região. Atualmente o frevo e o maracatu, por exemplo, são raramente tocados no Rio de Janeiro, mas formam a base musical da Festa de Momo no Recife. Na nossa ex-capital, porém, já houve o tempo do lundu, da polca, do tango e da valsa a se destacarem em plena alegria de fevereiro. Este ano fiquei nos salões do Ideal Clube até o fim da última noitada, que, para minha surpresa, se encerrou com uma canção do grupo roqueiro ACDC. Blasfêmia carnavalesca? Não sei, talvez, mas procurei abrir minha própria mente, tantas vezes nostálgica, e acabei por gostar da escolha tão inusitada, já que a mocidade dominava o salão àquela hora, e quase todos pareciam tão surpresos quanto felizes com um fechamento de Carnaval para lá de heterodoxo.
Resta-me reiterar que a vida mudou desde o Carnaval anterior, e estará mudada novamente até o próximo mês de fevereiro. Reconheço que no Brasil mais e mais gente tem dinheiro para comprar e desfrutar de sítios, para onde vão durante os quatro dias de feriado. Hoje muito mais pessoas têm poder aquisitivo superior ao que tinham anos atrás. Agora têm dinheiro para ir a uma cidade praiana e lá se divertirem também. O que o Carnaval de 2013 me mostrou, porém, foi que aqueles que optaram por passar as festas na cidade encontraram um ambiente alegre, pacífico e animado. Quem foi ao Carnaval do Ideal Clube foi porque quis e, pelo que pude observar, se divertiu pra valer. Caminhando à noite pela praça Oswaldo Costa senti alívio e contentamento ao notar que não havia motocicletas apressadas e ruidosas, ou automóveis abusados e estridentes, com seus ridículos autofalantes gritantes.
Para mim foi memorável fazer parte de um bloco de entusiasmados foliões, unidos e carinhosos, especialmente ao ter entre eles um amigo norte-americano, Jim Kolar. Este simpático visitante de quase dois metros de altura, de olhos azuis muito vivos e rosto constantemente a sorrir, pôde ter em Paraguaçu o seu primeiro contato com essa tradição brasileira de que tanto me orgulho. Dançou muito, a seu modo. Simplesmente adorou tudo que viu, bebeu e comeu, das caipirinhas ao jiló do Bar do Nadir!
A todos que acreditam e colaboram para a preservação e melhoria do nosso Carnaval, os meus parabéns e o meu muito obrigado. Como eu gostaria de estar em Paraguaçu no ano que vem! Se alguém puder dar minhas aulas na Universidade de Massachusetts Dartmouth, para que eu possa escapulir da neve e da rotina insossa e vir me esbaldar no calor e na exultação sem medida em terras brasileiras, me avise, por favor. A você que já gostou e não gosta mais de Carnaval, boa sorte no sítio ou no litoral, mas não me diga que o Carnaval de Paraguaçu já morreu. O que morreu foi o seu entusiasmo pela festa maior do Brasil, seja ela como e onde for.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Eternamente Dário Borim





Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu

Eternamente Dário Borim

É com muita alegria que nos reunimos em Paraguaçu para festejar com fotografias, testemunhos e recordações, os 90 anos de nosso querido Dário Borim, um homem de ideais nobres, construídos com muita perseverança. Um ser humilde, generoso e exemplar na sua grandeza. Não é comum encontrarmos pela vida uma pessoa tão lúcida, tão ativa e entusiasmada a essa idade. Essa sua admirável condição física e mental de hoje, nove décadas desde o seu nascimento na vizinha cidade de Varginha, é a coroação de uma longa vida de compromisso integral e dedicação incondicional ao bem da sua família e da cidade que o adotou, o viu crescer, e junto com ele, também cresceu e progrediu. Em 1922 a vida não era nada fácil na nossa região. Trabalhava-se muito e ganhava-se pouco, mas assim também era o caso no norte da Itália, talvez até um pouco pior por lá. Em função da escassez de recursos financeiros e de empregos na Europa cem anos atrás, seus pais, Virgílio e Dulciana Borim, escolheram permanecer no Sul de Minas, onde puderam criar seus filhos e dar de presente a Paraguaçu um ser de perfil tão raro.

Gostaria muito de ter espaço aqui para destacar as vastas conquistas e melhorias que meu pai, com amigos, trouxe a Paraguaçu, como a instalação de uma gráfica de jornal e o moderno tratamento d'água.  Foram tantas outras transformações que vieram pela força de liderança de meu pai, mas uma das maiores pérolas dessa coroa, senão a maior, mantém-se belo, altivo, e extremamente benéfico ao povo de nossa cidade, o Ideal Clube.

Aqueles e muitos outros presentes de Dário Borim à cidade eu evoco apenas de passagem, à guisa de recordação, que nos traz tanto orgulho e gratidão, e de tributo a um homem que transformou a sociedade que o adotou. Porém, meu desejo mais profundo é escrever outras linhas como filho que sou. A convite, sou o porta-voz de minha querida mãe, Lucci, dos meus irmãos e cunhados, além de uma dúzia de netos e bisnetas, todos nós fãs de carteirinha desse marido, pai, sogro, avô e bisavô que sempre nos ama, nos auxilia e nos inspira dia a dia a sermos honestos, otimistas — ao mesmo tempo agradecidos por tantas vantagens que nos são oferecidas e também compreensivos diante das perdas e infortúnios que nos doem pelos caminhos tortuosos da vida.

A vida familiar de Dário Borim tem sido uma longa jornada de amor, alegria, e ação. Algumas de suas frases prediletas refletem sua paixão pelo "fazer", pelo viver em plena e constante ação, principalmente no "balcão, a escola da vida". Por isso mesmo o ouvimos dizer tantas vezes que "para o ano" sairíamos todos em férias, ou teríamos uma bela casa de campo para reunirmos e descansar. Na verdade Dário Borim sempre foi e ainda é muito ocupado, e ocupado ele se sente vivo e feliz porque férias ou muito conforto nunca foram seus objetivos. Ele se concentrou na meta de transformar o mundo e fazê-lo melhor para sua família e seus conterrâneos.  Sua perseverança o tornou conhecido, respeitado, e ao longo das décadas vieram enxurradas de convites e solicitações para que encabeçasse um, três ou seis projetos públicos ao mesmo tempo. Todos sabiam: "o Dário não só diz; ele faz e faz bem feito".

Vindo de família de imigrantes, de limitados recursos e educação formal, ele sempre soube de seus limites e os aceitou com humildade. Chegou a recusar inúmeras vezes os enfáticos convites para que se candidatasse a prefeito, por exemplo. Aquele pai, que aos sessenta anos mais parecia um jovem de trinta e poucos anos, que não falava inglês, foi capaz, porém, de conseguir emprego nos Estados Unidos para um filho quando este já se encontrava por lá. Tão generoso, sempre ajudou e ainda ajuda não só aos filhos e netos, mas também aos seus irmãos, fossem quais fossem as suas necessidades. No seu contato diário com amigos e fregueses da loja, sua compaixão e sabedoria, paciência e perdão, têm feito diferença nas vidas de muita gente, não importa sua classe socioeconômica, desde uma carente trabalhadora do campo a um banqueiro bem sucedido. Como exemplos mais precisos, vale frisar que dezenas de pessoas o têm como confidente, e também lembrar que em múltiplas ocasiões a Kombi da loja era o veículo em que se levavam doentes a Varginha ou atletas do Clube a eventos esportivos nas cidades vizinhas. Isso, claro, de coração, sem qualquer recompensa financeira.

Dário Borim é um grande exemplo, uma pessoa extraordinária que habita nossas mentes e nossos corações. Honestamente, não consigo imaginar Paraguaçu sem ele. Muito menos a nossa casa e a nossa família sem seu carinho, seu calor e seu carisma. Então, não tenho outro desejo agora senão o de agradecer a Deus, em nome de nós todos, pela graça de contar com Dário Borim por 90 anos, e de pedir ao Pai do Céu que o mantenha conosco assim, sadio, forte e feliz, por pelo menos mais três décadas. Aliás, algumas pessoas deveriam ser eternas. Esses 90 anos já nos fazem crer na sua eternidade.

domingo, 18 de novembro de 2012

Uma casa assassinada


Uma casa assassinada


Dário Borim Jr 


Rua Presidente Getúlio Vargas, número 11. Foi ali que mataram um belo prédio, um casarão discreto, estilo colonial. Amputaram um membro de um corpo outrora formoso de cidade. Foi de madrugada. No obscuridade da noite. Na calada dos inocentes. Na premeditação dos cúmplices. Que horror!
Na verdade nem sei como dizer o que quero dizer. Não sei se há palavras para expressar o que sinto, o que tanta gente sente, pelo que já li e ouvi de muitos paraguaçuenses. Mas vou tentar. Escritor tem direito a gaguejar, a sentir-se impotente diante de certos desafios e responsabilidades. Minha mente e meu coração, porém, me dirigem a palavra. Eu ouço:
— É covardia! É ignorância! É desprezo! É desleixo! É desrespeito! É ganância! É triste! Muito triste! É revoltante! É muito feio!
Eu admirei, respeitei e amei a tia Noêmia como o fiz, ou o farei, a poucas pessoas desse mundo. Muita gente a amou. Pessoa boníssima. Inteligentíssima. Caridosa. Culta. Justa. Sincera. A cidade de Paraguaçu também amou aquela extraordinária mulher, Noêmia Prado. E a cidade ainda lhe deve muito, por tanto que fez por Paraguaçu, principalmente na escola, no posto de puericultura, na prefeitura e na igreja. Essa dívida é viva. Ela, tia Noêmia, onde ela estiver, ou a memória dela, como queiram, não merecia tal disparate!  A memória da nossa cidade e do nosso povo, a integridade histórica e arquitetônica da Praça Oswaldo Costa, tampouco! Nada e ninguém mereciam essa estupidez. Meu sobrinho, o arquiteto Alexandre Borim Codo Dias, ajudou, ajudou muito, e muito mais gente o ajudou: assim a casa foi tombada pelo Patrimônio Histórico. Mas, o quê? Destombaram o prédio? Teria sido possível? Como? Em nome do quê? Por quê? Para quê? Nova galeria? Lucro? Modernidade? A que custo?
O passado não é onde vivemos quando amamos, respeitamos e preservamos o passado. Quando, por ele temos consideração e apreço, ele vive dentro de nós. Sim, dentro de nós! Porque nós, no presente, somos a soma de todo o nosso passado. E não respeitar o passado é não ter auto-respeito. É ser incapaz de superar as amarras da ignorância, as marcas e o peso do subdesenvolvimento. Essa negligência é marca encarnada de barbárie e mesquinhez que nenhuma falsa modernidade poderá encobrir.
A casa da tia Noêmia, estivesse onde ela estivesse, deveria sobreviver aos avanços da usura, avareza e ambição. Era simples, mas bela. Era imponente enquanto documento vivo, enquanto registro e membro muito importante do corpo histórico da nossa cidade. Amputaram-na. Agora é buraco. Agora é pó. Agora, onde existia, há nuvens da destruição traiçoeira, do entulho que demarca a cena de um crime cultural.
As consequências da maldade são ululantes, desconcertantes, e chamam atenção de todos os que vão à igreja, ao coreto, aos jardins, aos bancos, aos restaurantes e aos bares da nossa linda Praça Oswaldo Costa. Será que os monstros não viram nada disso? Não entendiam? Não pensaram? Era bem destacada a localização da casa da tia Noêmia. Bem no centro da praça central da cidade: à direita, um quarteirão, e à esquerda, o outro, dos dois que compõe a praça. Foi por isso, então, que a mataram? Era sua culpa existir ali, no coração da cidade?
Já ouvi dizer que os novos proprietários da casa da tia Noêmia clamaram que não tinham dinheiro para fazer o que deveria ser feito: reformar o prédio, mas também preservar a fachada e sua estrutura. Não ter dinheiro não é desculpa para destruir, ou, melhor dizendo, para matar, um prédio como aquele. Não sei se foi até mesmo um caso de latrocínio. Talvez. Pelos detalhes que se revelaram, expondo o grau de covardia naquela noite sinistra, com corte de luz e com ação sob a cobertura da escuridão, imagino que sim, que foi um latrocínio cultural histórico. E se foi coisa de assassino, bem, assassino que se preza traz consigo suas pistolas. Mas disso eu não tenho certeza. Não importa. Tratores e guindastes também matam. O que sei é que as vítimas somos todos nós, os que amamos Paraguaçu, os que a queremos viva, bela e senhora de si, senhora da sua história e da sua identidade.
Talvez tenhamos sido vítimas da ignorância de uma parte do nosso próprio povo, pois essas pessoas elegeram dirigentes que não podem estar muito distantes do cerne de tal impensável e inaceitável insensibilidade. Se de fato ocorreu isso entre nós, isso é trágico. Gente cega e poderosa também é gente perigosa — gente que pode ter aquiescido, orientado e/ou propelida as ações daqueles assassinos da casa da tia Noêmia.
E agora? Será que se aprendeu uma lição? Será que a justiça e se aplicará aos responsáveis pelo ilícito e pelo abominável? Ou será que vamos simplesmente sentir muita saudade ao lamentar a morte da casa da tia Noêmia? Será que só vamos tentar esquecer o ocorrido e fugir do temor pela amputação de outras partes do nosso ser coletivo, da nossa alma enquanto povo de uma cidade?

domingo, 30 de setembro de 2012

Amadas e odiadas tecnologias




Amadas e odiadas tecnologias

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu

A tecnologia de ponta e o que acaba de sair da fábrica como o "melhor", o "mais rápido" e o "mais sofisticado" modelo de um instrumento qualquer, como a última versão do I-Phone, têm uma força enorme sobre a maioria de nós. Queremos comprar, se pudermos, ou pelo menos ver, se tivermos a chance. Porém, não sou eu muito chegado nesses sonhos de consumo. Exemplo: rejeitei o uso do telefone celular pelo maior tempo que pude. Só mesmo quando ele me pareceu ser solução incomparável para casos de emergências envolvendo os filhos pequenos foi que decidi experimentá-lo, isso já no século XXI. Por muito tempo quase não o usei, mas o tinha comigo para algum "caso de emergência" que de fato veio a acontecer, e o tal telefone portátil foi de fundamental ajuda.

Minha atitude reservada diante do celular continua, pois ainda prefiro os modelos mais simples, e, por opção mesmo, evito usar o telefone para ler email ou para navegar na internet, embora o faça em "casos de urgência". É verdade, porém, que meu telefone LG me serve enormemente como GPS há alguns anos, desde quando o filhote mais velho, Ian, passou a jogar futebol em várias cidades e era preciso achar as escolas em tantos cantos diferentes deste estado, Massachusetts, e de mais outros três ou quatro. Confesso, agora, que com ou sem emergência, já não quero viver mais sem um telefone celular só meu. Aquilo já faz parte da vida de quase todos os seres humanos, e não vejo fim nisso não.

A tecnologia hoje está presente em quase todas as nossas atividades, sejam elas de trabalho ou de lazer. Ela desse modo nos traz prazeres e dores de cabeça, de muitas formas e em variados graus de contentamento ou severidade. Pelo meu laptop, por exemplo, conversei com Ian vendo-o ao vivo na minha tela, via Skype, quando trabalhava na Itália nas férias de verão. Algumas vezes assisto a uma partida de futebol do Atlético ou da seleção brasileira que nenhum dos 150 canais da minha televisão vai mostrar. Por 89 centavos eu compro uma canção que gostei de um disco que acabou de sair. Chega a mim instantaneamente e posso tocá-la no Brazilliance, meu programa de rádio e internet, minutos depois. O disco inteiro (gravado em CD) custa bem mais e talvez não me interesse por completo.

Agora vamos falar das dores de cabeça. Outro dia passei duas horas longe do meu escritório (e da internet) e me chegaram umas 25 mensagens eletrônicas, algumas com demandas que eram "para ontem", isto é, ninguém tem mais paciência para nada: querem tudo "de imediato", talvez porque mandamos e recebemos mensagens na velocidade um piscar de olhos. Outra coisa: vejo minha irmã Silvana ter que fazer tudo relacionado ao seu consultório de psicologia através da internet. Mas ela não é secretária e nem é muito chegada em eletrônica. Coitada — tem que se virar. Só falta mesmo ter que medir eletronicamente a eficácia do seu trabalho e dar satisfação técnica a um órgão burocrático da sua profissão.

Na minha profissão, a educação, velho é o namoro entre novas tecnologias e as ideias de como  deve ser uma boa aula, como se dirigir uma escola, e como ser moderno e eficiente nas pesquisas. Isso vai longe no tempo, para além dos dias em que se usavam retroprojetores, projetores de slides, e tocadores de fitas cassetes. Era preciso usar tecnologia para se ter respeito dos administradores e dos colegas. Hoje em dia as projeções eletrônicas por power point e as aulas online são práticas comuns e as expectativas giram em torno delas, quase como que se fossem meios imprescindíveis  no ensino.

Numa reunião que tive essa tarde um colega falava que estava à procura de um professor para ensinar um curso sobre literatura portuguesa no próximo verão. Estima que teremos uns seis ou sete alunos da nossa universidade frequentando o curso, que será dado numa novíssima e moderníssima sala de aula da biblioteca na Universidade de Massachusetts Dartmouth. Os alunos estariam participando das aulas ao mesmo tempo em que seis ou sete alunos da Malásia fariam o mesmo, uns vendo os outros por telões, e todos vendo o mesmo professor: em carne-e-osso de um lado do mundo, e em imagem projetada em telas eletrônicas, a 20 mil km de distância.

Foi com essa última conversa em mente e o mundo high-tech em geral, que fui participar de um evento na escola do filhote mais novo, Zach. Após uma breve auto-apresentação dos administradores da escola em um auditório lotado, fomos todos encaminhados para um rodízio de apresentações em dezenas de diferentes salas de aula. Em sessões de 10 minutos pude conhecer cada um dos professores do meu filho e reconhecer um pouco das suas filosofias de ensino. Nesses dez minutos eles nos falaram de seus cursos, atividades e expectativas, nos passando uma ideia do que é ser aluno deles.

Honestamente, não gostei de quase nada das minhas experiências numa escola secundária de Belo Horizonte, mas ontem à noite eu quis novamente ser aluno do segundo grau. Os três professores que mais me encantaram foram os de História Mundial, Negócios, e Comunicações. Em nenhum momento utilizaram tecnologia, exceto na projeção estática de um único slide com o qual a professora de história mostrava os tópicos do seu curso. Não estou dizendo que ela e demais professores não utilizarão tecnologia em sala de aula. Com certeza, vão. Mas o que aconteceu foi que, para mim, aqueles três professores conseguiram revelar uma forte doze de entusiasmo e sabedoria sem fios: puderam nos engajar em discussões com a habilidade de quem usa bem a palavra, de quem se ocupa da interação humana para o melhor de suas possibilidades: com sorrisos, olhos nos olhos, e postura bem humorada de quem faz o que faz porque ama o que faz. Isso tudo não tem preço e nem não tem concorrente no mundo da educação e no nosso cotidiano — ambos ao mesmo tempo facilitados e desvirtuados pelas amadas e odiadas tecnologias.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ponto de encontro






Hoje à noite pensei: por que não refletir um pouco sobre alguns paraguaçuenses ausentes? Seria uma pequena homenagem à cidade que neste ano viveu o seu centenário.

Bem, são muitos os paraguaçuenses ausentes, provavelmente várias centenas de pessoas espalhadas por esse mundo afora. Lembro-me, é claro, que esse conceito, o do "paraguaçuense ausente", já embalou muitas confraternizações em Belo Horizonte, onde vive uma senhora colônia de nossos conterrâneos. Já morei lá três vezes, por um total de quinze anos, e posso dizer que é mesmo difícil passar um dia sequer sem cruzar com algum paraguaçuense na capital mineira. Tenho, aliás, uma vaga lembrança de um objeto concreto associado a uma daquelas confraternizações: uma enorme lista de convidados montada pela Dorinha Prado e minha prima Lília Borim Rodrigues. Velhos tempos, bons tempos.

Agora, de um modo bem singelo, quero referenciar alguns grupos de paraguaçuenses ausentes. Não há tempo nem espaço aqui para suas histórias, mas não importa. Quero exercer o pensamento livre e evocar lembranças de pessoas que de algum modo a mim continuam relacionadas até hoje. São amigos e amigas, confesso, e aqueles que não destacarei, que me perdoem. Na verdade só posso incluir amostras dessa bela gente paraguaçuense que optou por viver fora da nossa cidade pelos mais variados desejos e em função dos mais incompreensíveis empurrões que a vida lhes deu. A simples menção desses aspectos, os enredos e os empurrões de cada um, me traz a lembrança de uma noite em que no barzinho do Nadir, o professor Sandro Adauto Palhão e eu (e não sei mais quem) tomávamos umas geladas e conversávamos sobre um livro que alguém deveria organizar, um volume sobre as histórias de cada um dos paraguaçuenses que já moraram (e, muitos, ainda moram) no exterior. Pensamos nos iraquianos Henrique Prado (o vulgo Queta) e os irmãos Delson e Wilson Andrade, nas irmãs californianas Maristela Prado Dunn e Marilene Prado, e também nos europeus Juliano e Rosa Mignacca (Londres) e Tania Prado Marques (Roma), entre outros.

Minha atenção se volta, do mesmo modo, para alguns paraguaçuenses que moram no nosso país, mas em regiões bem distantes do Sul de Minas, como Ana Lúcia Bueno, em Alagoas, os irmão Maurício e Marcelo Viana, em Pernambuco, e Marco Antônio Amaral, no Acre (se não me engano). Há ainda na minha mente espaço para um terceiro grupo de paraguaçuenses ausentes, aqueles que não moram muito distantes da nossa terrinha, mas que, por um motivo ou outro, pouco frequentam a cidade. São pessoas como as irmãs Liliana, Rosália e Rosane Maria Prado Moraes, de São Carlos, Rose Marinho Prado, de São Paulo, e meu queridíssimo tio João Bosco do Prado Mendes, em Florianópolis.

Muitos desses paraguaçuenses permanecem em contato não somente entre si, mas também entre centenas de atuais residentes da cidade, por meio do FaceBook. Por essa comunidade eletrônica nós podemos acompanhar, mais ou menos detalhadamente, a vida dos amigos que têm pelo menos uma coisa em comum: o amor pela nossa bela cidade. Melhor que o FaceBook, porém, é o sorriso, o abraço e a conversa face-to-face, o cara-a-cara que nunca pode acabar. Em férias e feriados, portanto, há muitos reencontros, como aqueles organizados semestralmente por Leylane Dias Ferreira, Cleuza Rodrigues, e outras mulheres dedicadas à permanência dos elos entre nós, "jovens" atualmente na faixa dos 45-55 anos de idade. Nos últimos anos, essas memoráveis festas, como a mais recente, em julho, O Arraial dos Amigos, têm se realizado com muito sucesso na casa da generosa e simpaticíssima Maristela Prado Dunn.

Outra forma especial de comemoração daqueles elos é mais rara, mas não menos importante. Ocorrem quando alguns de nós nos reunimos em locais bem distantes de Paraguaçu. Através da magia do carinho que temos em comum pela nossa cidade e das fortes lembranças do que lá já passamos juntos, parece que retornamos a nossa terra, sentimos de novo os aromas e vislumbramos a formosura da Biquinha, da Lajinha, da praça Oswaldo Costa, da serra da Matinada, ou dos eucaliptos na estrada para a fazenda do sr. Hermano Prado. Assim aconteceu recentemente em Londres e Roma, entre três amigas, Marilene Prado, Rosa Mignacca, e Tânia Marques, que não só conviveram em Paraguaçu muitos anos atrás, mas também compartilharam, juntas, das mesmas aventuras entre Grécia, Itália e Inglaterra. Para ser sincero, devo dizer que tais aventuras também aconteceram muitos anos atrás.

Sim, estamos todos a cada dia mais velhos (como negar?), mas também a cada vez mais ricos de boas lembranças e de ótimos motivos para relativizar, mais do que nunca, o termo "ausente" de um "paraguaçuense ausente". Ausentes estão aqueles que infelizmente cortaram seus laços afetivos e logísticos com nossa cidade. Não guardemos rancor dessas ovelhas desgarradas, naturalmente. Simplesmente agradeçamos ao Criador por nos ter postos para nascer entre o Sapucaí e a Matinada e por nos ter possibilitado amar e preservar os fortes laços ao nosso ninho, ninho que sempre será o norte de nossa bússola pessoal — nosso ponto de partida e, eternamente, nosso melhor ponto de encontro.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Belo e imperfeito





Dário Borim Jr
dborim@umassd.edu
-- Em outra revista: http://www.huesoloco.org/?p=344

Outro dia acordei pelas cinco e pouco da manhã. Tentei recuperar o sono, mas minha cabeça já estava acesa e cheia de entusiasmo. Não me foi possível voltar aos sonhos de olhos cerrados, pois os sonhos de olhos abertos me chamavam. Estes logo me convenceram: eu não deveria perder o nascer do sol que, pela janela do quarto, já se insinuava com tons amarelos, lilases, roxos e vermelhos. Da janela do banheiro logo vi melhor a paisagem lá fora. Era hora de apanhar a câmera e fazer algumas fotos daquele espetáculo matinal. E foi só o começo. Dali a pouco sairia de casa em busca de mais cores e outros motivos para observar o mundo externo e criar novas imagens. 

Penso que a fotografia é — como outros meios de expressão humana, sejam eles das artes literárias, cênicas ou visuais — um poderoso elo entre o mundo interno, que existe e se transforma em cada um de nós, e o mundo externo, que podemos perceber com maior ou menor curiosidade, imaginação e sensibilidade. Ao decidirmos prestar mais atenção nos detalhes do que nos rodeia conseguimos ir muito além da nossa relação direta e pragmática com o imediato, o óbvio e o necessário. A fotografia poderá ser então o resultado dessa viagem mental e sensorial, onde há espaço e oportunidade para encaixarmos nossas representações de lembranças, preocupações, sonhos, e vasta variedade de emoções. 

Naquela manhã, que para mim começou quando sol, antes de se tornar visível, já tingia as nuvens e seu pano de fundo, o firmamento, eu pude caminhar pela orla do mar e muitas ruas da vizinhança. Estava bem disposto e animado ao ver um mundo em rápida transformação. Mais e mais pássaros, por exemplo, cantavam em múltiplos tons. Sua alegria era contagiante em face ao nascer de um belo dia de primavera já com cara de verão. Ainda se sentindo satisfeitas e renovadas com o orvalho, as folhas das árvores agradeciam o frescor da madrugada. O diafragma de minha Panasonic, azul como o céu naquele momento, funcionou intensamente naquelas duas horas de caminhada e comunhão de luzes, sons e  odores que eu compartilhava com os bichos (entre esquilos, gaivotas, lebres, marmotas e gatos, por exemplo), com as flores (como hortências, lírios, magnólias e margaridas), com as árvores centenárias, com os barcos a vela multicoloridos, e com as janelas espelhadas e reluzentes. Uma das fotografias dessa jornada acabou se tornando uma de minhas favoritas (veja-a acima). Segundo uma amiga conhecedora das artes plásticas, Glória de Sá, ela é como uma obra de Louis Comfort Tiffany (1848-1933), artista americano reconhecido principalmente pelos seus maravilhosos vitrais.

Satisfeito com minha expedição fotográfica de duas horas, pensava eu — quase ao chegar à casa — como era hora de marcar uma consulta de rotina com meu médico, Dr. Alexander Altschuller, um simpático cardiologista russo-americano com quem consulto, a cada seis meses, há onze anos. Nesse exato momento vejo um senhor a caminhar lentamente em minha direção. Trazia consigo um pequeno cão, provavelmente um poodle. Com muita surpresa reconheci o meu médico e também me dei conta da tremenda coincidência de estar pensando nele quando de repente o vi por ali. Surpresa ainda maior foi saber que há mais de 40 anos ele mora nesta cidade, Dartmouth, a apenas quatro quadras de onde moro há onze anos. De fato, foi exatamente em frente a sua casa que nele pensei, sem jamais o ter visto antes em nossa vizinhança. 

Outro aspecto desse encontro foi a diferença que notei entre os dois homens, aquele da rua e aquele do consultório. Vestido de branco e com autoridade do saber médico ele sempre me pareceu muito forte, poderoso, seguro e tranquilo. Ali, na rua, sem o aparato e o ambiente do profissional conceituado que ele é, pareceu-me um típico senhor bem idoso: fraco, lento e vulnerável. Mais um fator que me impressionou foi o elo que nos reunia naquele passeio matinal: a fotografia. Lembrei-me (e logo lhe disse) que admirava as fotos que ele próprio tirava e pendurava nas paredes da clínica onde eu o via há tantos anos. Lembrei-me também de lhe dizer que semanas atrás ouvira falar de um médico que, supostamente, fora o primeiro no país a decorar clínicas e hospitais com suas fotografias e pinturas, levando, assim, um pouco de conforto, distração, formosura e prazer aos pacientes.

Voltei para casa com mais motivos para refletir sobre a vida que levo e certas opções que faço diariamente. Vi-me mais consciente do papel e do poder que temos ao criar imagens. Pensei nas dezenas (talvez centenas) de pessoas que apreciam meu trabalho fotográfico na mídia social eletrônica, especialmente no Facebook. Vi semelhanças, mesmo que tênues, entre o hobby de meu médico e o meu. Conclui que tenho mesmo que continuar minha viagem mental e sensorial através da fotografia, porque através dela realizo a cada dia um dos maiores prazeres que possuo: compartilhar através de crônicas mensais, de músicas semanais, de fotografias diárias, todas as histórias, sensações, e sentimentos que nelas couberem, sejam eles nos momentos de paz e contemplação, como naquela manhã, ou nos momentos de dor e medo, como nas clínicas e hospitais desse mundo tão belo quanto imperfeito.

Mirem-se nas cenas de Atenas

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