quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Poeta da Paixão em Oxford



O Poeta da Paixão em Oxford

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu 


Acabo de passar um fim de semana extraordinário. Afinal de contas, não é a qualquer momento da vida que podemos visitar uma das universidades mais famosas do mundo que, por coincidência (brincadeira, é claro), se situa numa das mais belas cidades pequenas do planeta, ambas, de mesmo nome: Oxford. Para mim, e para muitos de nós brasileiros, Oxford nos lembra Vinicius de Moraes, que lá viveu e estudou entre 1938 e 1940. Também por coincidência (mais outra brincadeira?) para lá fui com a missão de discutir a natureza da paixão na vida do poeta e músico carioca. O assunto é longo. Quem sabe escrevo um livro sobre ele. Enquanto o desejo permanece apenas em forma de miragem, aqui segue uma amostra, e não um resumo, do que falei a outros pesquisadores neste último sábado, exatamente (mais uma coincidência)  75 anos depois de Vinicius partir de navio para a Inglaterra, a 7 de setembro de 1938.
A paixão de Vinicius de Moraes pela vida, isto é, por certos elementos que dela mais valorizava, como a aventura romântica, a amizade, e a sexualidade, se via frustrada sob o sentimento de solidão, as restrições disciplinares, e o marasmo social, aspectos de seus anos em Oxford. Em carta a um ex-colega da faculdade direito no Rio, San Thiago Dantas, publicada em obra organizada por Ruy Castro, Querido Poeta: Correspondência de Vinicius de Moraes (Cia. dads Letras 2003), o jovem Vinicius tece metáforas para descrever aquela “vida sagrada, vagamente misteriosa e envolta em mantos de realeza” (68). “Tenho que essas são coisas íntimas,” admite,  e “vivê-las é como se despojar delas” (68). O que chama de tempo da inocência ele deixou para trás. Já teve muitas experiências que o impedem de “fantasiar mais minha vida em cap and gown e me ordenar sob outra lei que não seja a da minha liberdade instantânea” (68).
Oxford parece se constituir para ele numa Victorian lady, muito bela e muito casta. “A vontade que me dá,” arrisca-se a dizer, "é traí-la, fazer molecagem como um bom brasileiro e representar personagem de aventura, mas já estou bem-educado demais para isso, e mesmo creio que não se deva ferir uma coisa tão exatamente bem-proporcionada como Oxford” (Querido Poeta 68).
Desenvolvendo uma colcha de metáforas e símiles,Vinicius argumenta que “Oxford é a carne inglesa” ou qualquer coisa “de monástico, de subterrâneo e submarino. Pode te dar tanto a impressão de um campo minado, como o de um convento, como o de uma mina de minério, como o de um aquário de belos peixes, essas coisas enfim que não querem dizer nada e cuja vida íntima não se sabe que razão têm, nem a que leis obedecem para se manter” (Querido Poeta 68). Outras imagens reforçam a mesma impressão do estéril e do anódino na famosa universidade: “Uma peça, um cisma, toda uma religião, mas nada de vivo: de lawrenciano, de rimbaudiano, de dostoievskiano, de shakespeariano ou quem mais você queira de fundamentalmente humano em si” (68).
Aos quase 25 anos o poeta pensa que a experiência de vida em Oxford o vá fazer envelhecer, “e é pena, mas por outro lado pode me fazer muito bem. Vejamos. Tenho medo dessa beleza fria, que mata em vez de fecundar. Tenho medo dessa arte de anjos, dessa arquitetura celeste, ao mesmo tempo eterna e impalpável. É tudo alto demais, inacessível” (Querido Poeta 69).
Em carta de janeiro de 1939 a um casal de amigos, o olhar poético de Vinicius não ignora, porém, a formosura do ambiente quando neva em Oxford: “É bonito de ver todas essas torres, todos esses edifícios de velhice escura, subitamente ficarem de cabeça branca” (Querido Poeta 83). Porém, em face à saudade e à sensação de displacement, exacerbada, é claro, pelos céus cinzentos e ares frios e úmidos da Inglaterra, o jovem carioca Vinicius de Moraes provavelmente ali embarcou numa viagem de paixão que, em termos práticos, o matou quatro décadas depois. Aquele quem desabafa “Ah, toda a minha poesia por um raio de sol, por um banho de mar em Copacabana!” (Querido Poeta 83), também se reposiciona: “vou vivendo aqui nessa velha cidade de gênios e de bêbados, me sentindo melhor com o contato dos segundos” (82). A solução para seus problemas em Oxford é aquela de natureza etílica: “Hoje à noite tem pileque, amanhã também. Santo estado alcoólico, tão ‘falsamente’ poético, mas tão camarada para o espírito da gente...” (84).
Evidentemente, pode-se dizer que Vinicius de Moraes viveu de paixão. Na verdade, de paixão também ele morreu, mas não foi de amores. Nesse ínterim, sua história serve para ilustrar a relação entre paixão e doença, de que trata Michel Foucault em História da Loucura na Idade Clássica (Perspectiva 1978) ao destacar a transformação pela qual passou a percepção da paixão, não mais como um fenômeno estético do ethos, como na Grécia antiga; ou moral, como nos tempos dos estóicos romanos; ou de pecado, como na Idade Média de São Tomás e Santo Agostinho; ou de insensatez animalesca, como na era do Iluminismo. Desde os meados do século XIX estuda-se diferentemente, então, aquele velho problema da paixão a partir dos anos do Positivismo e da gradativa superação das garras punitivas do poder religioso pelos bisturis higiênicos da medicina.
Vinicius era essencialmente um homem triste. Com medo da morte e com esperança de viver livre sob os auspícios do álcool, ele, durante muitos anos frequentou a Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, para se recuperar dos danos daquela dependência servil, compulsiva, sem, porém, jamais querer perdê-la. Bebia consciente de que o álcool o mantinha dinâmico, alegre, produtivo, e ao mesmo tempo o matava lentamente, trazendo-lhe o diabetes e a hidrocefalia. Bebia para que em torno dos amigos, dos amores e do uísque (o melhor amigo do homem, um cachorro engarrafado), não morresse de medo da solidão. Bebia para que ele pudesse afastar a solidão, que o torturava quase que diariamente. Bebia para camuflar o medo da morte, a única forma de solidão extrema, irredutível e totalizante, definida, em seu “Soneto da Fidelidade,” tão simples e tão pertinente a si mesmo, como “o fim de quem ama.”


quarta-feira, 24 de julho de 2013

Mundo bipolar

 
James Cotton, figura lendária do blues, em Newport, Rhode Island



Mundo bipolar

Que esse mundaréu velho sem porteira é bipolar, todos sabem. Não é preciso diploma de psiquiatra não. Mas que a sua esquizofrenia às vezes assusta, isso assusta sim. Vê se pode um negócio desses: minha amiga Rosa diz que em Londres o bicho tá pegando… pegando fogo! O mercúrio subiu até os 35 graus. Parece que os 35 graus na terra do novo príncipe esquentam mais que os 35 no Guaipava.  Deve ser a umidade, o ar abafado da capital londrina – sei lá!
Aliás, vocês sabiam que Guaipava tem uma comunidade na rede social Orkut? Ela se anuncia assim: “Você esta [sic] nesse momento na única comunidade destinada ao distrito de Guaipava em Paraguaçu/MG. Esta comunidade destina-se a todos que nasceram, moraram, passaram ou se sentem envolvidos com essa verdadeira comunidade”. Depois da expansão avassaladora do FaceBook, esse tal de Orkut ainda existe? Não importa. Não vim aqui pra especular sobre a vida ou a morte de nenhuma comunidade real ou virtual, mas, sim, comentar a esquizofrenia do planeta, principalmente nesses tempos de verão, no Hemisfério Norte, e de inverno, no Hemisfério Sul.  
O negócio é o seguinte: vive-se agora, aqui onde estou, a energia do sol, que traz tanta coisa boa para onde ele esquenta o baião. E por falar em baião, já faço meu tributo à arte maior do Nordeste e envio meu abraço especial para a família do fabuloso sanfoneiro, cantor e compositor José Domingos de Morais, a.k.a. Dominguinhos, que nasceu em Garanhuns, na região agreste de Pernambuco.  Aos 72 anos, Dominguinhos, o segundo Rei do Baião, faleceu hoje em São Paulo. Segundo ouvi da sua própria voz em videotape essa noite na TV, ele fora eleito e declarado “sucessor” do trono de Rei do Baião pelo próprio rei, Luiz Gonzaga. Nesta quinta-feira, o Brazilliance, meu programa de rádio e internet, fará homenagem ao músico que influenciou a milhares e encantou a milhões pessoas.
E é de música mesmo que vou encher o balaio dessa crônica veronil. Mas antes tenho que lembrar que enquanto o bicho pega em Londres, o frio fascina um monte de brasileiros que nunca viram neve. Em mais de 60 cidades, só em Santa Catarina, viram a coisa branca cair hoje. E o frio vem mesmo maltratando a muitos mais, do Rio Grande do Sul a Goiás, estado normalmente tão quente, mas onde vai gear essa noite.
Sim, gente: vai gear em Goiás! Esse mundo está muito louco – ou sou eu que perdi a estribeira do real? Então chegou o bendito frio civilizatório aos trópicos tupiniquins? Curiosamente, é neste inverno que os brasileiros estão pondo as manguinhas de fora e fazendo muita arruaça social e política, um inverno marcado pela ostensiva adesão do cidadão comum ao protesto coletivo por causas mais que justas, apesar de hípercaducas, tão antigas que se perdem de vista. Acorda, gigante, muitos dizem! É também o inverno em que surgiu com enorme força nefasta e destrutiva a categoria de “vândalo” – figura encapuçada e aparentemente paga para destruir e aterrorizar. 
Mas chega de papo de política, porque no momento quero enfatizar o efeito positivo do sol sobre a sociedade, o calor que permite e convida as pessoas a fazer e acontecer, principalmente no campo da música. Vocês devem saber ou imaginar que quando o inverno bravo assola as terras aqui mais próximas ao polo norte, pouco acontece em termos de eventos grandiosos. Porém, quando o sol começa a esquentar os ares em fins de maio, promovem-se, dia após dia, concertos memoráveis e grandes festivais de inúmeros gêneros musicais. Parece que toda a energia e todo o dinheiro ficam estocados no inverno para sair dos casulos e dos cofres nesses meses de se suar bicas e se beber cerveja aos baldes.
É fato que neste verão já vi e ouvi tanta gente boa tocar e cantar à minha frente que às vezes  até me esqueço de um ou de outro nome. Para mim a sequência de shows até agora (e ainda virão mais eventos, antes de acabar o oba-oba do calor no Hemisfério Norte) já incluiu Ana Carolina, Joan Baez, Bob Dylan, Claudia Smith, John Gorka, The Morning Jacket, Richard Thompson, Southside Johnny, e James Cotton, além das dezenas de bandas e cantores solos folk oriundos da Austrália, Canadá, Inglaterra, Irlanda, Escócia e Itália, músicos que estrelaram num belíssimo festival ali mesmo em New Bedford, a 10 minutos da casa onde moro em Dartmouth, ao sul de Massachusetts, na Nova Inglaterra.
O frenesi musical desta época do ano não é restrito a este país extremamente musical, os Estados Unidos. Na Europa os espetáculos estão rolando a rodo, e entre eles, imaginem, vem acontecendo os primeiros shows de uma banda de rock do Sul de Minas, The Dogs and the Fields, com dois rapazes de Três Pontas (Gabriel e Luis) nos teclados, guitarras e bateria, e  também um paraguaçuense, no baixo, Marco Antônio, neto de d. Walderez Prado Leite Mignacca. 
Às vezes penso no raro privilégio que é poder driblar a esquizofrenia do planeta e passar dois verões num mesmo ano. Para mim, este ano tem sido assim. Por conta de um semestre sabático, em que recebi vencimentos integrais para pesquisar, mas sem precisar ministrar qualquer curso, o professor universitário que escreve essas mal traçadas linhas pôde desfrutar do sol de dezembro, janeiro e fevereiro ao sul do Equador, e agora se deleita sob o calor efêmero, mas real, dessas praias do Hemisfério Norte. Porém, confesso: fico pensando nos brasileiros e fico com pena de quem sofre por não estar habituado ao frio intenso, frio que corta os lábios e os cantos dos dedos, e que, com a neve, pode estragar o humor geral. Seria essa a causa de tanto mau humor que vejo e às vezes sinto eu mesmo nos Estados Unidos? O inverno rigoroso também pode causar muitos transtornos e acidentes à gente a pé ou no volante. À distância, estou solidário, mas só posso desejar aos brasileiros um bom cobertor de orelha. Isso não tem preço, tanto ao sul como ao norte do Equador.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Deus é Brasileiro e... Atleticano!


Deus é Brasileiro… e Atleticano!

Muitas agências de notícia exploraram o mesmo tema. A BBC de Londres, por exemplo, deu, no dia 20 de março, que a presidente Dilma Rousseff “reagiu com bom humor” a uma pergunta de um jornalista argentino, quando ele questionara a opinião dela sobre o fato de o novo papa ter nascido em Buenos Aires. "Vocês, argentinos, têm muita sorte… o papa é argentino, mas Deus é brasileiro", assim argumentou Rousseff em visita oficial ao Vaticano.


Outras notícias vindas mais recentemente de Belo Horizonte vão além. Deus não é apenas brasileiro: Deus é atleticano.  Na pequena paróquia de Nossa Senhora da Piedade, da comunidade de Piedade do Paraopeba, pertencente ao município de Brumadinho, o carismático  e genoroso padre Paulo Eustáquio Cerceau Ibrahim incorporou uma trilha sonora bem especial aos ritos sagrados da Festa do Divino: o hino do Galo! Sim, aquele mesmo, “Nós somos do Clube Atlético Mineiro/ Jogamos com muita raça e amorVibramos com alegria nas vitóriasClube Atlético MineiroGalo Forte Vingador”.

 Bem, convenhamos, aquele é um hino muito especial. Segundo o site oficial do clube belorizontino, www.atletico.com.br, o primeiro hino da associação vigorou entre os anos de 1928 e 1968, mas em 1969 a diretoria atleticana encomendou ao compositor Vicente Motta o "Hino ao Clube Atlético Mineiro". Segundo a mesma fonte de informação, este hino é idolatrado pela torcida de tal modo que  se tornou o “mais cantado em estádios no Brasil”. Ainda de acordo com aquele portal, em 1976, em Nápolis, na Itália, houve um concurso mundial de hinos de clubes de futebol, e o do Galo foi o vencedor. Passou a ser considerado o mais belo entre todos os hinos de clubes de futebol do mundo.

 Não sei se padre Paulo tem paixão especial pelo Hino do Galo, ou mesmo se outras vezes já pediu que a banda da paróquia o tocasse em pleno rito religioso.  O fato é que, João Batista Vaz Xavier, um grande amigo meu, estava presente à procissão. Filmou o “fenômeno religioso-esportivo” e postou o vídeo em uma das maiores redes sociais electrônicas do planeta, o FaceBook. É também curioso que naquele mesmo domingo da Festa do Divino algo muito importante aconteceria no estádio do Mineirão, logo após a procissão:  a partida decisiva a consagrar o campeão do estado de Minas Gerais de 2013.

Antes, um verdadeiro banquete popular -- com arroz, feijão, frango assado, e muito mais -- foi servido aos fiéis. Conforme explica Batista, o padre é uma espécie de Robin Hood por conseguir doações junto aos ricos e oferecer comida e outras dádivas materiais aos pobres daquela região montanhosa de Minas. Após a comilança, todos regressaram à igreja e assistiram à missa que, coincidentemente, ocorreu enquanto jogavam Atlético e Cruzeiro em Belo Horizonte.  Acabada a missa, disse-me Batista, o padre, ainda do púlpito, se despedia dos fiéis quando recebeu um sinal do sacristão: um gesto muito conhecido, o polegar dizendo, “positivo”! Então padre Paulo não se acanhou, “Meus caros, por último uma notícia que acabo de receber: a taça é nossa!”

 Esse “causo” mineiro eu ouvi, via Skype, na quarta-feira, dia 22 de maio, 2023, véspera de uma palestra que eu daria no Dartmouth College, uma bela e rica faculdade aqui nos Estados Unidos (do mesmo grupo da Harvard, chamado ivy league). O “causo” me levou a pensar nas teorias do famoso antropólogo carioca Roberto DaMatta. Acabei iniciando minha comunicação naquela escola aludindo ao tal “fenômeno” de mistura entre religião e futebol. Todos nós rimos muito. O professor paulistano Rofolfo Franconi, presente a minha palestra, me perguntou: “e os cruzeirenses, como se sentiram na procissão, e ainda ‘pior’, na igreja?”

Nos seus trabalhos acadêmicos DaMatta enfatiza vários aspectos que apontam para as particularidades do povo brasileiro. Como explica o antropólogo no seu livro O que faz o brasil, Brasil?, o brasileiro vive em um mundo de misturas de todo tipo, inclusive a mescla daquilo que é individual com o institucional, religião com esporte, o publico com o privado, o sério com o  cômico, etc.

A dúvida do meu colega Franconi tem fundamento. As estatísticas poderiam confirmar, mas era mesmo muito provável que boa parte dos fãs do padre Paulo não torcesse para o Alvinegro. Eram fãs do Cruzeiro e, outros, do América ou de nenhuma equipe. A ética profissional -- ou clerical, como queiram -- foi para onde, nesse caso? Esse “sutil” desrespeito à diferença, às margens do mundo atleticano,  teria alguma importância? Seria outra pitada de humor, como a da presidente no Vaticano? Seria apenas uma pequena e inefável loucura de um padre fanático? Ou seria um exemplo da enorme tolerância de quem não foi incluído na reza -- aliás, daqueles contra quem se fez a reza oficial?

Pois, assim, a paixão individual do padre de Piedade do Paraopeba não se separou do seu poder eclesiástico. Ela se incorporou no rito institucional que ele administrava, com fé e formalidade, e se fez valer, a revelia da anti-paixão de cruzeirenses e americanos. De modo semelhante, a presidente do Brasil fez galhofa da superioridade do povo brasileiro sobre o argentino. Afinal de contas, em termos de poder, a figura do papa está bem abaixo daquela de um Deus, mesmo que brasileiro –principalmente quando temos um tipo de papa que já disse que pecou muitas vezes e que os ateus também podem ascender aos céus. 

Como vimos, para o deleite de muitos mineiros, tal Deus também é atleticano de carteirinha. Será que foi com ajuda divina que o goleiro atleticano Vítor Leandro Bagy defendeu um pênalti decisivo, nos últimos segundos de um jogo tão importante como o da Copa Libertores da América na quarta-feira passada? Apenas na manhã seguinte o heroi recebeu mais de 20 solicitações de entrevistas. “O Atlético não poderia ter saído da competição daquela forma. Foi também uma justiça de Deus pelo trabalho que estamos fazendo, por nossa postura”, disse o jogador ao jornal Estado de Minas.

Confirmando a tendência do brasileiro a mesclar o divino com o prosaico -- mundos da mesma moeda que, segundo DaMatta, “se relacionam de modo complexo e simultâneo” – o goleiro ainda declarou ao mesmo jornal que após o jogo, ao chegar ao condomínio em que mora, viu uma faixa no portão, que, apesar de bem simples, o tocou forte no coração: “Muito obrigado, São Victor”. Amém!


domingo, 19 de maio de 2013

A Crônica no Século XXI



Profs. Perrone, Bianconi & Borim  -  Foto de Marcelo Bianconi
 
A convite de Charles Perrone e Célia Bianconi, os dois professores universitários com quem tenho trabalhado na elaboração de um livro didático para alunos de português avançado (a sair em 2014 pela University Press of Florida), reflito aqui sobre a crônica nos dias de hoje.
Vinte anos passados, o mundo é consideravelmente outro, por conta da internet. A crônica não é exceção. Na maioria dos casos ainda publicada em folhas de jornais, a crônica hoje também chega a seus leitores por outros meios associados a internet.
A maioria dos jornais e muitas revistas do país regularmente oferecem uma versão on-line das suas publicações. Nas suas páginas virtuais a crônica mantém sua força, seu apelo enquanto leitura favorita dos brasileiros: curta, leve, informativa, instigante, e prazerosa. São vários os outros meios eletrônicos disponíveis para a disseminação da crônica, é claro. Escritores mantêm seus próprios portais, rotulados ou não de "oficiais." Seus escritos, porém, podem aparecer emprestados (ou mesmo desautorizados) em outros blogs, assinados ou anônimos.
O que se percebe como fundamental diferença entre essa prática contemporânea e a do passado anterior aos anos 90 é a facilidade e a rapidez com que hoje em dia os leitores podem ler as crônicas e publicar suas próprias opiniões e outras reações sobre elas. O cronista então se vale desse precioso meio de comunicação direta e potencialmente instantânea com os leitores, cujas origens podem ser discernidas e apresentadas automaticamente, a um canto das páginas do blog, por aplicativos eletrônicos gratuitos, como o Feedjit.
Como cronista, eu também dissemino meus escritos por meios tradicionais (revistas e jornais impressos), mas nada se compara ao imediatismo do contato com o leitor através de meu blog, Ponteio Cultural. Seguidores registrados de um blog podem receber emails anunciando cada nova postagem. Já houve casos em que recebi comentários sobre uma dada crônica, como "Uma Casa Assassinada," em menos de 10 minutos após tê-la concluído e publicado. Era o tempo mínimo para a leitura do texto.
O alcance que a literatura pode ter eletronicamente é de fato um dos aspectos mais marcantes dessa nova era de comunicações. Ao pesquisar materiais para uma seção de crônicas, do qual sou o atual editor para um periódico de referência publicado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o Handbook of Latin American Studies, informei-me de que o blog oficial do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar já tinha recebido mais de um milhão visitas até 2010. Outro exemplo de enorme sucesso com o público é o de Martha Medeiros, cronista também gaúcha, colunista dos jornais Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro.
Devido ao intenso e fácil acesso a seus textos por meios eletrônicos, Medeiros já se tornou uma autora best-seller e uma celebridade nacional. Entre os temas favoritos tanto dela como de Carpinejar encontram-se a sexualidade, o romance, e o divórcio, o que se de certo modo perfila uma nova função da crônica, a ajuda pessoal, a preocupação com os efeitos da alienação, individualismo e solidão da sociedade pós-moderna.
Outro cronista de enorme sucesso junto ao público leitor brasileiro é Contardo Calligaris, psicanalista italiano com fortes credenciais acadêmicas. Com maestria ele entrelaça, por exemplo, um pequeno incidente do seu cotidiano relevante ao público contemporâneo a certos fragmentos icônicos de seu passado. Na tela de uma mesma crônica, que se publica semanalmente na Folha de São Paulo impressa ou on-line, o autor com vasto background em antropologia médica insere comentários rápidos e incisivos sobre um quadro, um filme ou uma peça teatral relacionados àquele tema inspirado por um pequeno incidente do dia-a-dia.
Vale dizer que as oportunidades de acesso à crônica via internet também ocorrem junto a sites de vídeos e clipes sonoros, como o YouTube. Ali, crônicas de Nelson Rodrigues, como "Mártir em Casa e na Rua," hoje têm versões cinemáticas. Postam-se leituras dramáticas na voz de um grande ator (como Juca de Oliveira) de textos aclamados, como "O Padeiro," crônica do grande mestre Rubem Braga sendo reeditada no nosso livro.
De fato, dos anos 90 para cá observa-se um maior interesse pela crônica enquanto texto didático e tema para estudos acadêmicos, apesar de permanecerem vivos alguns resquícios do antigo preconceito que a relegava a um status de gênero inferior. Enquanto que nesses anos a crônica passou a ser utilizada com maior assiduidade nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil, hoje cursos de pós-graduação a adotam como tema central. Têm surgido nessas duas décadas muitas antologias, como a de Joaquim Ferreira dos Santos, As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, e outras que oferecem os melhores textos de um mesmo autor, como os do carioca Lima Barreto ou da cronista cearense Rachel de Queiroz.
A crônica enquanto texto curto e sem muitos rodeios metafóricos ou estilísticos se enquadra muito bem nesse novo mundo regido pela eletrônica, em geral, e pela internet, em particular. Em primeiro lugar penso que as pessoas estão se tornando cada dia menos capazes de manter a concentração por longos períodos de tempo, o que se faz necessário para o prazer da leitura de um romance, por exemplo. Ademais, a comunicação interpessoal através da mídia social, como o Facebook, é rápida e direta, de contínuo e livre acesso ao que disse alguém que nem conhecemos. A crônica, por ser breve e por aparecer na mídia eletrônica oferecendo espaço para a conversação entre autor e leitor, exerce um poder de atração e de intimidade jamais vivenciado entre essas partes.
Por último, recordemos que o imediatismo da circulação de notícias e o envolvimento das pessoas em tempo real com o que se passa no mundo as tornam mais inclinadas a ler uma forma de literatura não apenas centrada na realidade, mas também calcada na contemporaneidade, simultaneidade e transitoriedade de como se vive, se escreve e se lê. Se a crônica é a própria vida como ela é, ela, a crônica, está viva e plugada a um dia-a-dia que a torna mais forte, mais necessária, e mais susceptível a transformação.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade





Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade

Dedicado a Jeferson Ribeiro de Andrade

Dário Borim Jr.

É na meia-idade que muitos se tornam avós. E perdem seus pais. Filhos se formam da faculdade, têm filhos, e filhos morrem de acidente. Filhos assumem um grande emprego, e filhos se movem, quando se movem, à deriva. Nossos pais comemoram com alguma festa os seus 70, 80 ou 90, mas envelhecem rapidamente, perdem a memória, perdem a capacidade de se locomover, ou perdem a consciência, isso quando ainda não se despediram de nós, é claro.

 Amigos se redescobrem também, estejam onde estiverem. O FaceBook ajuda. Ficamos sabendo melhor o que é a alegria e o drama de se passar por esses anos da meia-idade.  A morte, a solidão, e o desencanto com a vida assolam a paz de muitos de nós. Olhamos para trás. Olhamos para frente. Para cima e para baixo também. Para o que temos, o que tivemos, e nunca tivemos. Para o que nos incomoda e para o que ainda podemos sonhar em fazer. Há tempo ainda. Há disposição ainda. Temos coragem, mas temos consciência de que em todos os cantos onde podemos, desejamos ou não desejamos morar (bairros, cidades, estados, ou países diferentes), haverá desafios, com suas perdas e ganhos.

Nesse sentido, como dizia o existencialista Jean-Paul Sartre, a vida é Sem Saída, título de uma de suas peças. Não adianta. E esqueçamos por ora o significado da vida. Ferreira Gullar fala bem ao ironizar os existencialistas. A vida não tem nenhum significado sem você. Você é quem dá significado à vida. Se quiser olhar só para baixo e pensar que a vida é só baixaria, ignorância, tristeza e violência, não falta argumento, não falta exemplo concreto de que é isso mesmo. E vem lá desgraça: desemprego, desamor, dívida, desespero, desentendimento, desunião, doença... Só com a letra "d" eu conseguiria encher essa crônica de desencanto, depressão, demência, debilidade, desconserto, etc, etc.

Não vale pena a manter o queixo somente inclinado para trás, não, e assim se sentir de alma lavada ao proclamar as tristezas da vida. Eu prefiro não me esquecer delas exatamente para ser razoavelmente realista, mas, também, para saber valorizar melhor e comemorar com mais zelo o outro lado da moeda. As oportunidades. O carinho.  A saúde. O amor. A amizade. A coragem. A alegria de viver! Vejo, porém, que olhando para os dois lados, expondo-me à dor e ao sabor da vida intensamente, pago um preço e me vejo questionando meu olhar, minha sensibilidade e, com ela, minha vulnerabilidade aos altos e baixos.

Quando questiono (sim, questiono até hoje) a minha opção de morar no exterior, e já foram três vezes em que optei por morar nos Estados Unidos, saio desse questionamento com mais perguntas e algumas conclusões. Que teria sido de mim se eu tivesse dito NÃO em alguns daqueles momentos de dúvida: mudar ou não mudar do Brasil? São muitas as indagações, mas uma é meio curiosa e me traz um sorriso como ao comer um chocolate escuro, gostoso e meio-amargo. Conclui que tenho uma veia quase masoquista (uma só entre tantas veias?). Lembro-me que, um dia desses, eu disse assim para mim mesmo: se você for infeliz no exterior, você pelo menos terá assunto para escrever suas crônicas e seus livros. Grande recompensa, eu ironizo hoje.

Então tomem essa crônica como uma barrinha de chocolate escuro, gostoso e amargo. Na verdade não era isso não que eu queria fazer, oferecer-lhes essa barrinha. Mas é que a meia-idade é barra mesmo, gente. Já temos nossos laços emocionais, profissionais e sociais atados ao lugar onde vivemos, mas não estamos felizes. Temos o conforto da estabilidade que vem do que criamos, mas já estamos cansados de viver destituídos de valores que renegamos para vir e ficar onde estamos. Temos ânsia de mudar, e medo de perder o que temos. Temos décadas e décadas de vivência, de muitas lembranças, mas temos a certeza cada vez mais forte de que não nos restam muitas décadas de vida, talvez nenhuma, talvez nem mais um ano.

Aquela certeza cresce enquanto crescem nossas dúvidas sobre o que fazer nessa tarde, antes do sol se pôr. Se passarmos da última hora do Ângelus, o que a noite nos trará? Ao assistir a uma entrevista com o poeta e músico Leonard Cohen, ouvi dele, aos 70 e poucos anos de idade, a seguinte observação: não me importo quase nada com a morte, mas sim com os preliminares dela, as condições em que estarei ao me aproximar dela. Então vejo que para muita gente a reaproximação aos velhos amigos é uma opção. A humanidade está vendo sobreviver uma multidão de idosos. Comparado com outras eras, o mundo de hoje é de muitas pessoas chegando aos 80, 90 e até mesmo aos 100 anos de idade. Por causa disso até a definição de meia-idade já mudou, mesmo que, segundo o Dicionário Aurélio, essa idade ainda seja aquela entre 30 e 50. Então já estou na terceira-idade há quase quatro anos. Quem, eu?

Mas como viver até o fim daquela idade avançada, a dita terceira-idade? E quem cuidará de nós, se nessa idade estivermos incapacitados, seja física, emocional ou financeiramente? Será que mais e mais amigos idosos tentarão morar juntos até que a morte separe cada um deles dos demais? Será que mesmo antes desses anos, mas já em plena meia-idade, os velhos amigos não poderão se reunir mais amiúde? Quem sabe uma vez por mês se verão num coreto, bar ou restaurante, para trocar idéias, trocar sugestões e impressões de livros, filmes, peças teatrais, trocar conselhos, dores,  preocupações, apoio e carinho? 

Minha irmã Silvinha, seu marido José Codo, e alguns de seus melhores amigos se reúnem assim. Há entre eles até mesmo homens e mulheres que um dia foram casados entre si. Não o são mais, mas lá estão, como amigos, se vendo a cada quatro semanas, melhorando a qualidade de vida de quem já criou os filhos, viveu amores e desamores, teve uniões e separações, viu neto nascer e mãe morrer. É gente que sabe bem como que pouco nesse mundo se compara ao prazer da amizade alegre, carinhosa, divertida, descompromissada, profunda e sincera. Quem sabe não é essa uma das melhores barras de chocolate, saudável e saborosa?



domingo, 10 de março de 2013

Nosso Carnaval 2013


Nosso Carnaval 2013


Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu





Na folhinha deste ano, a Festa de Momo chegou mais cedo que quase todos os outros Carnavais que passei em meu país. Curiosamente, para mim, que vivo num vai-e-vem entre os Estados Unidos e o Brasil há quase 32 anos, o feriadão foi um daqueles que chegaram mais tarde, pois tive que esperar cinco anos. Recordo-me de que, seguindo a tradição híper-carnavalesca de tio Delmo, fui eleito o Folião do Ano do Ideal Clube em 2008. Naquele ano, quase todos os meus chegados gostaram da festa, e eu, em particular, pulei quase que eufórico, a compensar pelo atraso de oito anos sem curtir uma festa daquelas em Paraguaçu.
Quase tudo muda nesse mundo, e o Carnaval da minha terra não é exceção. O Carnaval deste ano teve seus pontos positivos e negativos, como era de se esperar. Dois polegares para cima vão para a decisão de fechar as ruas que dão acesso à praça Oswaldo Costa. O clima por todas as áreas do jardim estava tranquilo. Vi muitas famílias com crianças e idosos a curtir as noites animadas por uma banda em palco instalado junto ao Bar e Restaurante Casarão. Na terça-feira desfilaram uma modesta escola de samba e alguns blocos, inclusive um de pessoas na terceira idade. É claro que muito pode ser efeito pelo poder público em prol de uma festa maior, melhor decorada, e mais animada. Espero que isso venha a acontecer nos anos seguintes, estando agora a cidade sob nova administração. Uma recomendação seria a de pesquisar como são preparadas e patrocinadas as comemorações públicas em outras cidades, como as de Elói Mendes e Fama.
Para aqueles que a cada ano participam ou pelo menos cogitam participar dos bailes de carnaval do Ideal Clube, algumas palavrinhas. Em primeiro lugar, o óbvio: o Carnaval de Paraguaçu não morreu. Quem foi ao Ideal Clube esse ano não encontrou seus salões lotados, mas também não os viu vazios. Quem lá foi, pareceu-me, divertiu-se muito. No palco, dois grupos musicais, Longa Metragem e Banda Absoluta, revezavam-se. Uma banda tocava as deliciosas, tradicionais e consagradas marchinhas e sambas de raiz. A outra se encarregava de ritmos variados, contemporâneos, como o axé e o sertanejo universitário.
O Carnaval do Brasil, desde as suas origens, tem sido uma festa de música em múltiplos estilos que se diferenciam de tempos em tempos e de região para região. Atualmente o frevo e o maracatu, por exemplo, são raramente tocados no Rio de Janeiro, mas formam a base musical da Festa de Momo no Recife. Na nossa ex-capital, porém, já houve o tempo do lundu, da polca, do tango e da valsa a se destacarem em plena alegria de fevereiro. Este ano fiquei nos salões do Ideal Clube até o fim da última noitada, que, para minha surpresa, se encerrou com uma canção do grupo roqueiro ACDC. Blasfêmia carnavalesca? Não sei, talvez, mas procurei abrir minha própria mente, tantas vezes nostálgica, e acabei por gostar da escolha tão inusitada, já que a mocidade dominava o salão àquela hora, e quase todos pareciam tão surpresos quanto felizes com um fechamento de Carnaval para lá de heterodoxo.
Resta-me reiterar que a vida mudou desde o Carnaval anterior, e estará mudada novamente até o próximo mês de fevereiro. Reconheço que no Brasil mais e mais gente tem dinheiro para comprar e desfrutar de sítios, para onde vão durante os quatro dias de feriado. Hoje muito mais pessoas têm poder aquisitivo superior ao que tinham anos atrás. Agora têm dinheiro para ir a uma cidade praiana e lá se divertirem também. O que o Carnaval de 2013 me mostrou, porém, foi que aqueles que optaram por passar as festas na cidade encontraram um ambiente alegre, pacífico e animado. Quem foi ao Carnaval do Ideal Clube foi porque quis e, pelo que pude observar, se divertiu pra valer. Caminhando à noite pela praça Oswaldo Costa senti alívio e contentamento ao notar que não havia motocicletas apressadas e ruidosas, ou automóveis abusados e estridentes, com seus ridículos autofalantes gritantes.
Para mim foi memorável fazer parte de um bloco de entusiasmados foliões, unidos e carinhosos, especialmente ao ter entre eles um amigo norte-americano, Jim Kolar. Este simpático visitante de quase dois metros de altura, de olhos azuis muito vivos e rosto constantemente a sorrir, pôde ter em Paraguaçu o seu primeiro contato com essa tradição brasileira de que tanto me orgulho. Dançou muito, a seu modo. Simplesmente adorou tudo que viu, bebeu e comeu, das caipirinhas ao jiló do Bar do Nadir!
A todos que acreditam e colaboram para a preservação e melhoria do nosso Carnaval, os meus parabéns e o meu muito obrigado. Como eu gostaria de estar em Paraguaçu no ano que vem! Se alguém puder dar minhas aulas na Universidade de Massachusetts Dartmouth, para que eu possa escapulir da neve e da rotina insossa e vir me esbaldar no calor e na exultação sem medida em terras brasileiras, me avise, por favor. A você que já gostou e não gosta mais de Carnaval, boa sorte no sítio ou no litoral, mas não me diga que o Carnaval de Paraguaçu já morreu. O que morreu foi o seu entusiasmo pela festa maior do Brasil, seja ela como e onde for.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Eternamente Dário Borim





Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu

Eternamente Dário Borim

É com muita alegria que nos reunimos em Paraguaçu para festejar com fotografias, testemunhos e recordações, os 90 anos de nosso querido Dário Borim, um homem de ideais nobres, construídos com muita perseverança. Um ser humilde, generoso e exemplar na sua grandeza. Não é comum encontrarmos pela vida uma pessoa tão lúcida, tão ativa e entusiasmada a essa idade. Essa sua admirável condição física e mental de hoje, nove décadas desde o seu nascimento na vizinha cidade de Varginha, é a coroação de uma longa vida de compromisso integral e dedicação incondicional ao bem da sua família e da cidade que o adotou, o viu crescer, e junto com ele, também cresceu e progrediu. Em 1922 a vida não era nada fácil na nossa região. Trabalhava-se muito e ganhava-se pouco, mas assim também era o caso no norte da Itália, talvez até um pouco pior por lá. Em função da escassez de recursos financeiros e de empregos na Europa cem anos atrás, seus pais, Virgílio e Dulciana Borim, escolheram permanecer no Sul de Minas, onde puderam criar seus filhos e dar de presente a Paraguaçu um ser de perfil tão raro.

Gostaria muito de ter espaço aqui para destacar as vastas conquistas e melhorias que meu pai, com amigos, trouxe a Paraguaçu, como a instalação de uma gráfica de jornal e o moderno tratamento d'água.  Foram tantas outras transformações que vieram pela força de liderança de meu pai, mas uma das maiores pérolas dessa coroa, senão a maior, mantém-se belo, altivo, e extremamente benéfico ao povo de nossa cidade, o Ideal Clube.

Aqueles e muitos outros presentes de Dário Borim à cidade eu evoco apenas de passagem, à guisa de recordação, que nos traz tanto orgulho e gratidão, e de tributo a um homem que transformou a sociedade que o adotou. Porém, meu desejo mais profundo é escrever outras linhas como filho que sou. A convite, sou o porta-voz de minha querida mãe, Lucci, dos meus irmãos e cunhados, além de uma dúzia de netos e bisnetas, todos nós fãs de carteirinha desse marido, pai, sogro, avô e bisavô que sempre nos ama, nos auxilia e nos inspira dia a dia a sermos honestos, otimistas — ao mesmo tempo agradecidos por tantas vantagens que nos são oferecidas e também compreensivos diante das perdas e infortúnios que nos doem pelos caminhos tortuosos da vida.

A vida familiar de Dário Borim tem sido uma longa jornada de amor, alegria, e ação. Algumas de suas frases prediletas refletem sua paixão pelo "fazer", pelo viver em plena e constante ação, principalmente no "balcão, a escola da vida". Por isso mesmo o ouvimos dizer tantas vezes que "para o ano" sairíamos todos em férias, ou teríamos uma bela casa de campo para reunirmos e descansar. Na verdade Dário Borim sempre foi e ainda é muito ocupado, e ocupado ele se sente vivo e feliz porque férias ou muito conforto nunca foram seus objetivos. Ele se concentrou na meta de transformar o mundo e fazê-lo melhor para sua família e seus conterrâneos.  Sua perseverança o tornou conhecido, respeitado, e ao longo das décadas vieram enxurradas de convites e solicitações para que encabeçasse um, três ou seis projetos públicos ao mesmo tempo. Todos sabiam: "o Dário não só diz; ele faz e faz bem feito".

Vindo de família de imigrantes, de limitados recursos e educação formal, ele sempre soube de seus limites e os aceitou com humildade. Chegou a recusar inúmeras vezes os enfáticos convites para que se candidatasse a prefeito, por exemplo. Aquele pai, que aos sessenta anos mais parecia um jovem de trinta e poucos anos, que não falava inglês, foi capaz, porém, de conseguir emprego nos Estados Unidos para um filho quando este já se encontrava por lá. Tão generoso, sempre ajudou e ainda ajuda não só aos filhos e netos, mas também aos seus irmãos, fossem quais fossem as suas necessidades. No seu contato diário com amigos e fregueses da loja, sua compaixão e sabedoria, paciência e perdão, têm feito diferença nas vidas de muita gente, não importa sua classe socioeconômica, desde uma carente trabalhadora do campo a um banqueiro bem sucedido. Como exemplos mais precisos, vale frisar que dezenas de pessoas o têm como confidente, e também lembrar que em múltiplas ocasiões a Kombi da loja era o veículo em que se levavam doentes a Varginha ou atletas do Clube a eventos esportivos nas cidades vizinhas. Isso, claro, de coração, sem qualquer recompensa financeira.

Dário Borim é um grande exemplo, uma pessoa extraordinária que habita nossas mentes e nossos corações. Honestamente, não consigo imaginar Paraguaçu sem ele. Muito menos a nossa casa e a nossa família sem seu carinho, seu calor e seu carisma. Então, não tenho outro desejo agora senão o de agradecer a Deus, em nome de nós todos, pela graça de contar com Dário Borim por 90 anos, e de pedir ao Pai do Céu que o mantenha conosco assim, sadio, forte e feliz, por pelo menos mais três décadas. Aliás, algumas pessoas deveriam ser eternas. Esses 90 anos já nos fazem crer na sua eternidade.

Mirem-se nas cenas de Atenas

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