segunda-feira, 19 de novembro de 2007



Idioma Global

Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

[Arte de Zach Borim e colegas da turma da Profa. Doe, Cushman Elementary School, maio 2006]

A partir de janeiro de 2008, Brasil, Portugal e demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) terão a seu dispor uma ortografia portuguesa quase completamente unificada. Não há um dia marcado para que as mudanças ocorram e especialistas estimam que seja necessário um período de dois anos para a sociedade se acostumar.

Mas a previsão é que a modificação comece mesmo em 2008. No Brasil, por exemplo, o Ministério da Educação prepara a próxima licitação de livros didáticos para dezembro, pedindo já a nova ortografia. O edital será para os livros que serão usados em 2009. Carlos Alberto Xavier, assessor especial do MEC, declarou à Câmara Brasileira do Livro que será preciso um intervalo de, no mínimo, um ano após o início da vigência do acordo para que os livros didáticos distribuídos contenham as mudanças ortográficas. “Teremos também um período de dois anos para adaptação à nova ortografia. Durante esse tempo, as duas formas ortográficas serão consideradas corretas”, afirmou.


Segundo uma nota distribuída por todo o mundo através dos portais oficiais das embaixadas brasileiras, as modificações propostas afetarão 1,6% do vocabulário de Portugal. No Brasil, a mudança será bem menor: 0,45% das palavras terão a escrita alterada. As mudanças ortográficas não terão quaisquer efeitos sobre as pronúncias típicas de cada região dos países lusófonos. Justamente por isso certos estudiosos consideram as alterações desnecessárias, pois as diversidades maiores são fonéticas, e nisso não se vai mexer.

Porém, prevaleceu uma linha de raciocínio oposta, a dos que concordam com Antônio Houaiss (1915-1999). A unificação da ortografia não implica uniformização dos vocabulários ou homogeneização dos sotaques. Para Houaiss, “Portugal, Brasil e os cinco países africanos de língua portuguesa reconhecem que a inexistência de uma única ortografia oficial traz não apenas dificuldades de natureza lingüística, mas também de natureza política. Daí o esforço desses países em efetivar o novo acordo”.

Segundo o Banco de Dados da Língua Portuguesa, da Universidade de São Paulo, isto é o que vai mudar na ortografia em 2008:

1) As paroxítonas terminadas em "o" duplo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo. Ao invés de "abençôo","enjôo" ou "vôo", os brasileiros (e os outros) terão que escrever "abençoo", "enjoo" e "voo."

2) Mudam-se as normas para o uso do hífen no meio das palavras. O hífen vai desaparecer do meio de palavras, com excepção daquela em que o prefixo termina em “r”, casos de "hiper-", “inter-" e "super-". Assim passaremos a ter "extraescolar", "aeroespascial" e "autoestrada".

3) Não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do substantivo dos verbos "crer", "dar", "ler","ver" e seus decorrentes, ficando correta a grafia de "creem", "deem", "leem" e "veem".

4) Criação de alguns casos de dupla grafia para fazer diferenciação, como o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação, tais como "louvámos" em oposição a "louvamos" e "amámos" em oposição a "amamos".

5) O trema (brasileiro) desaparece completamente. Estará correto escrever "linguiça", "sequência", "frequência" e "quinquênio" ao invés de “lingüiça”, “seqüência”, “freqüência” e “qüinqüênio”.

6) O alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação de "k", "w" e "y".

7) O acento deixará de ser usado para diferenciar "pára" (verbo) de "para" (preposição).

8) No Brasil, haverá eliminação do acento agudo nos ditongos aberto "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia". O certo será “assembleia”, “ideia”, “heroica” e “jiboia”.

9) Em Portugal, desaparecem da língua escrita o "c" e o "p" nas palavras onde ele não é pronunciado, como em "acção", "acto", "adopção" e "baptismo". O certo será “ação”, “ato”, “adoção” e “batismo”.

10) Também em Portugal elimina-se o "h" inicial de algumas palavras, como em "húmido", que passará a ser grafado como no Brasil: "úmido".

11) Portugal mantém o acento agudo no “e” e no “o” tônicos que antecedem “m” ou “n”, enquanto o Brasil continua a usar circunflexo nessas palavras: académico/acadêmico, génio/gênio, fenómeno/fenômeno, bónus/bônus.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A Vez do Beisebol


Vamos todos torcer pelos Red Sox? Sei que alguns estarão reagindo assim: mas o que é isso, companheiro? Você não é brasileiro? Sou sim, mas também sou capaz de apreciar novidades (esporte, cinema, literatura, música ou dança, por exemplo) que fazem sentido, que me divertem e que me ensinam algo sobre a condição humana, sejam elas originárias da minha cultura ou das que venho descobrindo vida afora.

Beisebol não é futebol, claro. Não tem pedaladas do Robinho ou chapeus do Ronaldinho Gaúcho, mas, como o esporte das multidões globais, esse esporte norte-americano também tem sua beleza plástica e nos traz muita alegria e paixão. A maioria

dos estrangeiros que conheço aqui nos Estados Unidos pensa o mesmo: beisebol é muito chato, porque é muito lento e sem graça. Eu também pensava assim e, para ser sincero, levei aproximadamente 15 anos para mudar de ideia. Era pura ignorância. Até pouco tempo atrás, eu nem sabia que o pitcher (aquele que inicialmente arremessa a bola) não pertencia ao mesmo time que o batter (aquele que rebate a bola) em ação. A lentidão é apenas cíclica e resulta da enorme tensão psicológica em jogo. Além do mais, ela se desfaz em picos de ação cuja rapidez da bola é raramente comparável a de outros esportes.

No Brasil da minha infância e adolescência, muita gente nem podia dizer com certeza qual era o tal de beisebol: o jogo bruto dos americanos ou aquele outro, meio parado, com tacos. Lembro-me que quando estava para me casar, no verão de 1991, meus futuros parentes convidaram e pagaram para que minha família brasileira fosse ver um jogo dos Twins, na belíssima arena chamada Metrodome, em Minneapolis. Também era minha primeira chance de ver um jogo de beisebol profissional. Embora eu já tivesse acumulado quase cinco anos de vida nos Estados Unidos, naquele estádio eu me sentia quase tão estrangeiro quanto os meus pais, irmãs e primos que tinham chegado de Minas há poucos dias.

Embora eu tivesse tido a oportunidade de me aproximar lentamente do esporte nos anos seguintes (e isso aconteceu porque descobri a alegria descompromissada, a descontração geral, e todo o “folclore” que se pratica nos estádios de ligas profissionais menores, como a dos Pawsocket, em Rhode Island), foi-me necessário ver meus filhos jogar beisebol nos campos do parque Crapo, em Dartmouth, para que eu de fato aprendesse as principais regras e as múltiplas sutilezas desse fabuloso esporte.

Quando tento racionalizar sobre os aspectos do beisebol que o tornam tão apelativo às massas, concluo que é seu incrível equilíbrio entre responsabilidades individuais e coletivas. O pitcher vive uma guerra pessoal contra o batter, um duelo que às vezes me faz pensar na relação tensa e terrível entre o touro e o toureiro. O aspecto psicológico daquele desafio entre os jogadores, porém, é de múltiplas conseqüências. Um desses dois elementos poderá levar sua equipe e seus fãs ao deleite total, à glória de um grand-slam, por exemplo, ou à humilhação de uma derrota de 12 a 2, como a que aconteceu aos Indians, de Cleveland, semana passada. Entretanto, o resultado de uma partida de beisebol poderá depender muito bem da rapidíssima sincronia de arremessos entre os jogadores do in-field e out-field, ou ainda da fantástica captura de uma bola rebatida pelo batter, cuja eficácia terá impacto direto no resultado final.

Depois de vários anos chegou o momento de me dar conta do meu profundo respeito por beisebol – mais que um esporte, uma instituição dos Estados Unidos que não precisa da aprovação do resto do mundo para se manter viva e apaixonante. A comprovação final dessa afinidade com o beisebol veio depois de assistir a duas recentes partidas no lendário Fenway Park, em Boston. Aquilo é misto de competição pacífica e festa de bom humor. Pessoas que não se conhecem se falam, fazem piadas, e, às vezes, até se abraçam. Entre milhares de fãs há uma constante vibração e zumbido. Quase sempre o clima é de celebração, ao som de rock and roll ou algum canto de glória em ritmo pop-rock. Acima de tudo, naqueles momentos me valeu a impressão de quão importante é conhecer para só depois julgar quem quer que seja ou qualquer coisa que nos retire do falso conforto de nossas convicções sobre mundos alheios.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007


Estrelas luso-afro-brasileiras

[Mariza, fadista portuguesa, no Consulado de Portugal em New Bedford (foto de D. Borim, 6/out/2007) ]


O teatro Zeiterion não é mais o mesmo. Desculpem-me pela falta de modéstia, mas depois de quatro eventos ali protagonizados por estrelas do mundo lusófono, até as paredes do distinto centro artístico já conhecem melhor a nossa cultura musical e a nossa alma. Em menos de dois anos, fomos contemplados com os exuberantes concertos de Dulce Pontes, Gilberto Gil, Lura e, no último fim-de-semana, a grande fadista dos nossos tempos, Mariza.

Alguns aspectos se destacaram nesses espetáculos: o alcance e maleabilidade das vozes, além da simpatia e leveza performáticas de cada artista. Uma sedutora e acrobática Dulce Pontes, por exemplo, dançou e simulou emoções com seu corpo ágil e redobrável de cantora-bailarina.

Gilberto Gil, com sua poesia sutil e filosoficamente precisa naquele que foi seu único show em toda a Nova Inglaterra, não apenas pareceu atingir o âmago do ser etéreo e sonhador de cada um dos presentes. Ele também se fez de maestro para que milhares de pessoas criassem o que talvez nunca tivessem nem mesmo tentado na vida: um lúdico e inacreditável falsete. Vi muita gente chorando, de êxtase e pele arrepiada. Ou era de orgulho, por saber que um artista brasileiro da estirpe de Gil ali estava e cantava, carne e osso, como se estivesse numa roda de samba no boteco da esquina, ou numa reunião de família, no fundo do quintal.

Sim, era Gil, o mesmo dos nossos sonhos e paixões dos anos 60, 70, 80 e 90, que prosseguia viagem pelo século XXI esbanjando saúde, bom-humor, otimismo, e muito lirismo. Com seus longos cabelos trançados e amarrados atrás, ele vestia bata e calças de algodão branco -- mais parecia um anjo afro ou, talvez, um filho de Ghandi, um bloco de Carnaval de Salvador.

Lura chegou ao palco do Zeiterion exalando energia criadora, encantando-nos em crioulo cabo-verdiano, inglês ou português. Entre os quatro artistas do mundo lusófono, foi ela quem atraiu o público mais jovem àquela casa de espetáculos. Lura é muito lírica também, e seu charme ao evocar múltiplas tradições e dramas cotidianos de Cabo Verde levava-nos a um animado passeio pelas ilhas do seu país. Quando dialogava com a platéia em cabo-verdiano, Lura parecia reforçar, sílaba por sílaba, a legitimidade da existência cabo-verdiana enquanto povo dono seu próprio idioma e de uma identidade diversificada, entre nativos e estrangeiros, por exemplo, ou habitantes de Santiago e São Nicolau.

Mariza fechou com chave de ouro essa seqüência de espetáculos luso-afro-brasileiros. Nascida em Moçambique, filha de mãe africana e pai europeu, essa estrela de 33 anos deixou lembranças indeléveis na mente de todos os que tiveram o privilégio de poder comprar seus (caros) ingressos. Foi capaz de entreter os amantes do fado tradicional sem se conter no improviso e na liberdade que sua voz potente e pluritonal lhe proporcionava. Ela, que já morou no Brasil alguns anos, que já se expôs profundamente às inovações vocais e rítmicas do gospel, blues e jazz norte-americanos, e que já descobriu o borbulhar inspirador das suas raízes africanas, reiterou duas ou três vezes, em conversa com os seus ouvintes, a sua ligação visceral com Portugal, um Portugal popular, dos bairros da Mouraria e Alfama.

Metaforicamente, Mariza aludiu à dupla semântica do termo “fado”: “gênero musical” e “destino”. Ela, por assim dizer, fez glosa do fado do seu fado, isto é, do seu destino enquanto cantora de fado, e, também, do próprio fado enquanto música do seu destino. Esse tal destino lhe empurrou o fado quando ela morava no Brasil e ainda nem sonhava em ser fadista, apesar de ter sido criada desde os três anos em ambiente de taverna, quando seu próprio pai possuía uma dessas casas na área mais boêmia de Lisboa. Finalmente, parece-me de suma importância que Mariza faça seu fado como o faz, eletrizando os corações dos patrícios sem deixar de reiterar a origem transcontinental do seu talento ou a identidade multirracial do seu ser. Saravá, Mariza!

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ponteio Cultural, um Blog de Dario Borim Jr.




Ponteio Cultural

A coluna de Dário Borim Jr.

para O Jornal Brasileiro (Fall River, MA, EUA)

Quando o convite para criar esta coluna chegou, e meu desejo de aceitá-la driblou minhas ansiedades e receios (afinal, a dita falta de tempo é um dos maiores males da vida atual), logo me pus a matutar: que nome deveria dar a essa coluna?
Foram duas as colunas que, até então, eu tinha mantido por aproximadamente um ano em periódicos publicados a quase dez mil quilômetros de distância um do outro. Em 1982 “Memories, Thoughts, and Things” saía a cada duas semanas no jornal The Lance, de uma faculdade localizada junto aos pés das Montanhas Rochosas, o Eastern Wyoming College. O único brasileiro do campus e da pequena cidade de Torrington tinha algo a dizer sobre suas viagens pelas Américas e diversas regiões dos Estados Unidos. A outra coluna sairia 20 anos depois. Era chamada “Via Satélite” e suas crônicas discutiam o cotidiano, cultura e política. Eu podia, assim, manter-me em contato com os leitores d’A Voz da Cidade, periódico bissemanal da minha querida Paraguaçu -- a “princesinha do Sul de Minas”, segundo uma canção local.

Mas por que pensar tanto em um nome? O que há por detrás de um nome? Dois dos maiores poetas das línguas inglesa e portuguesa também se questionavam a respeito. "What's in a name? That which we call a rose / By any other name would smell as sweet", dizia o dramaturgo inglês William Shakespeare em sua peça Romeu e Julieta. “Mundo mundo vasto mundo / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução” era o que concluía o grande bardo das Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade, no seu “Poema de Sete Faces”.
É claro que não é pela força de um nome diferente que daremos a uma bela rosa o aroma de cebola, nem vai ser um nome próprio que trará paz de espírito a um poeta angustiado com a modernidade e com o seu próprio passado. Mas é inegável a força dos vocábulos para atrair ou repelir leitores (o título de um livro, por exemplo), ou para sugerir a natureza dos assuntos abordados por uma coluna de jornal. Por essa razão, então, veio-me a dúvida e, depois, a opção, “ponteio”, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio, é o ato ou efeito de pontear (que se conjuga como “frear”), isto é, “marcar com pontos uma linha”, “alinhavar um vestido” ou, principalmente, “dedilhar as cordas de um instrumento”.

Pronto: ponteio. É isso mesmo que eu me proponho fazer: alinhavar umas idéias sobre cultura (literatura, filmes, espetáculos teatrais, musicais, etc.). Pretendo, pois, dedilhar minhas cordas enquanto professor de estudos luso-afro-brasileiros da UMass Dartmouth e enquanto produtor-apresentador de um programa de música, o Brazilliance da WUMD (89.3 FM), que sempre às quintas-feiras (3-6 da tarde) dissemina o maravilhoso legado musical dos países lusófonos aos ouvintes desta região e também do resto do planeta, via Internet.

A inspiração do nome surgiu da nossa memória musical. Partiu de uma canção engajada de 1967, escrita por Edu Lobo e José Carlos Capinan. Era tempo dos festivais de música no Rio de Janeiro e São Paulo. Um pouco antes da censura intimidar os artistas, podia-se clamar: “Era um, era dois, era cem / Vieram pra me perguntar / Ô, você de onde vai, de onde vem / diga logo o que tem pra contar / Parado no meio do mundo / Senti chegar meu momento / Olhei pro mundo e nem via / Nem sombra, nem sol, nem vento / Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”.

Nesta página de jornal, minha coluna é minha viola, e espero que vocês também façam parte dessa roda, dessa cantoria bissemanal. Para melhor dela participar, cantem-me acordes e versos através dos seus comentários e outras contribuições que lhes sejam possíveis. Meu e-mail é dborim@umassd.edu. Sejam todos muito bem-vindos!
(29/setembro/2007, p. 17)

Mirem-se nas cenas de Atenas

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