
Que memorável experiência foi a de assistir, in loco, a uma partida da Copa no novo Mineirão! Por si só, o contato com gente de muitos países a caminhar para o estádio, sob um belo e energizante sol belo-horizontino, foi uma oportunidade inesquecível. Lá dentro, a sensação era a de eu estar dentro de uma televisão transmitindo um match de uma liga europeia. No estádio mais tradicional das Minas Gerais, os astros de Costa Rica e Inglaterra jogavam diante de gente brincalhona, mas educada, e coloriam um universo já repleto de tons, sons, e movimentos coletivos, que às vezes acompanhavam as manifestações musicais de pilhéria sobre os ingleses, já desclassificados do torneio, ou sobre qualquer torcedor argentino que aparecesse vestido a caráter no telão. Em geral, a sensação era de júbilo ao ver que o Brasil conseguia, a trancos e barrancos, sediar uma Copa do Mundo. Hoje penso: a história da segunda Copa do Mundo no Brasil não foi, de modo algum, diferente do que eu esperava. Vejamos por quê.
Alguns anos atrás li o texto original, em inglês, de um livro que jamais
esquecerei, Como o Futebol Explica o Mundo: Um Olhar Inesperado sobre a
Globalização (Ed. Zahar). É de um escritor americano,
Franklin Foer, editor da famosa e sofisticada revista New Republic.
Trata-se de uma obra fascinante, resultado de uma interessantíssima pesquisa
sociológica ao longo de dois anos. Há bastante humor: o autor confessa, desde a
primeira linha da obra, que sempre foi um perneta e não entende nada de futebol,
mas mesmo assim encarou o desafio. Cada capítulo é dedicado à maneira como o
futebol pode ser um bom meio para se entender aspectos importantes de um dado
país em foco.
Ao discutir tal questão em relação ao Irã, por exemplo, Foer aponta o
aspecto revolucionário do futebol. Numa cultura onde vigoram normas muito
rígidas sobre o que as mulheres podem ou não podem fazer, o esporte é símbolo e
faz parte de um movimento revolucionário. Certa vez, centenas de mulheres, até
então impedidas de ver partidas de futebol, marcharam rumo a um estádio em
Teerã, arrombaram as portas e presenciaram um jogo de classificação de seu país
para a Copa do Mundo.
No capítulo dedicado à Espanha, discute-se a particular rivalidade entre
as identidades coletivas e as ideologias políticas que orientam os torcedores
do Real Madrid e do Barcelona. O intenso e complexo tipo de nacionalismo emergente
entre os torcedores catalãs em oposição ao de castelhanos torna essa seção do
livro uma das mais ricas e intrigantes. No capítulo sobre o Brasil, revela-se
uma longa e frustrante história de corrupção dentro dos clubes brasileiros e da
Confederação Brasileira de Futebol.
Em parte, a Copa do Mundo de 2014 confirmou a tese daquele capítulo
sobre o Brasil. Pudemos ler e ver casos de suspeitas ou fatos verídicos de
superfaturamento de obras realizadas para a Copa. Além desse triste e
vergonhoso elemento inegável da história, eu gostaria de mencionar o reflexo de
outras características de nosso povo, algumas dos quais me deram imensa alegria
e orgulho; outras, pelo contrário.
Em primeiro lugar, aponto a excelente hospitalidade e extrema
generosidade com que os estrangeiros foram recebidos no nosso país, fato
destacado em várias pesquisas realizadas entre eles. Depois, o genuíno fervor e
a contagiosa paixão do brasileiro pelo esporte: lotando os estádios,
assistindo, torcendo e discutindo cada partida da Copa como se todos os jogos
fossem da seleção brasileira. Ao longo de um mês, familiares e amigos se
reuniram dezenas de vezes para comer e beber e dançar e cantar em clima de
total harmonia, descontração e bom humor, tudo por conta do seu próprio jeito
de ser e dos jogos cheios de gols e improváveis resultados, como a eliminação
precoce de quatro gigantes do futebol: Espanha, Inglaterra, Itália e Uruguai.
Outros componentes da mesma história foram as festas e apresentações
musicais organizadas nas cidades-sedes. Apesar dos raros casos de excesso e
ocasional mau comportamento, como os de alguns argentinos, o clima cordial e
alegre nesses locais, como os da praça da Savassi, em Belo Horizonte, já faz
parte indelével da história da cidade, a mesma que viu a equipe norte-americana
vencer a inglesa na nossa primeira Copa do Mundo, a de 1950.
Outras características marcantes do povo brasileiro ficaram em evidência
nesta Copa do Mundo, como a tendência ao atraso e a negligência no cumprimento
das obrigações, problemas que provavelmente estariam por trás dos tristes
acidentes e mortes de operários na construção de alguns estádios, como também
na lamentável e embaraçosa queda de um viaduto em Belo Horizonte pouco antes do
início do torneio.
Nessa mesma Copa, nossa bela Belo Horizonte também ficou gravada como
palco do maior fiasco da história do futebol brasileiro, a notória derrota dos
7 a 1 na semifinal contra a Alemanha. O papel de Neymar naquela equipe me faz
pensar na dependência de um salvador, ou na força nefasta da hierarquização da
nossa nação, na nossa história de monarquia, por exemplo, onde o Rei atuou como
pivô paternalista da sociedade, ou mesmo nos descaminhos do nosso ditador
“bonzinho,” Getúlio Vargas, o Pai dos Pobres. Vi também o sentimentalismo do
nosso povo retratado no choro dos jogadores ao cantar o Hino Nacional, mas
também vi a falta de preparo estratégico e tático da equipe, certamente
confiante na sua capacidade de improvisar e achar um jeitinho para lidar com o
imprevisto e para enfrentar as adversidades.
Grave adversidade chegou. Neymar machucou-se gravemente no jogo contra a
Colômbia. Uma equipe sem esquema tático e viciada na improvisação de um jogador
que, segundo o técnico, podia jogar como um coringa no campo, sem eira e nem
beira, até começou bem a partida contra os alemães. Porém, ela logo se
desmoronou, entrando e pânico após o segundo gol de uma seleção que fizera o
oposto a nós, ao se preparar meticulosamente para vencer a Copa.
Bem, reservo para o final desta crônica o melhor da história: o fabuloso
senso de humor dos brasileiros! Tiro o chapéu: rimos de nossa ruína, elaboramos
centenas de piadas sobre nosso desatino em campo, e a vida ficou um pouquinho menos
trágica, ainda naquela Copa de 2014, pois vimos e comemoramos o fato de os
“hermanos” argentinos perderem na final contra os alemães e voltarem para casa
sem o Caneco.
Minhas piadas favoritas em cima do nosso desastroso 1 x 7 foram a partir
de imagens do Cristo Redentor. Numa delas a estátua sobe aos céus feito um
foguete, e ela grita do alto do Corcovado: “Tô caindo fora desse país.” Vale
pensar também que se, apesar das milhares de rezas, dessa vez Deus mostrou que
não é brasileiro, o Papa mostrou que nem ele pôde ajudar os seus
“hermanos.”
Também sou solidário. Além da nossa tragédia em campo, para mim foi
deprimente ver Messi receber o taça de Melhor Jogador da Copa sem um sorriso
sequer. Ele é um bom sujeito, dizem, mas aquilo deve ter-lhe parecido como um
Troféu Abacaxi. Ele queria era outra coisa. Nós também. Daqui a quatro anos tem
mais. Rezemos mais, mas trabalhemos, a sério e muito mais dedicados, para
de novo ganhar uma Copa do Mundo!