Ensaios e crônicas em português ou inglês sobre artes, literatura, viagens, e o cotidiano na Nova Inglaterra. // Personal essays and crônicas in Portuguese or English about art, literature, travel & day-to-day in New England.
segunda-feira, 6 de julho de 2020
Podres e Poderes em Tempos de Pandemia
sexta-feira, 22 de maio de 2020
Teaching and Learning from a Pandemic
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
Ai, Jesus! (Uma crônica-sacrilégio)
A imagem icônica e majestosa de Jesus Cristo o Redentor de braços abertos sobre a Baía da Guanabara anoiteceu vestida de um uniforme rubro-negro, menos de uma semana atrás. O reconhecimento celestial de uma glória assaz mundana não foi por acaso. Por conta do que de mágico anda acontecendo em campos de futebol do Brasil e Peru, aqui vai um “causo” sobre a questão, como dizemos em Minas. É uma piada da vida real que nasceu inspirada pelo que ouvi ontem de um amigo português, o Francis Mendes. Ele deve ser parente em algum braço da minha multiétnica e transnacional árvore genealógica! Seria ele um descendente de novos-cristãos? Quem sabe um ex-judeu, supostamente como nós mesmos, netos do saudoso Adolpho Prado Mendes?
O Francis me
disse que um canal de TV de Portugal estava colhendo alguns louros
nacionalistas por conta do gigantesco sucesso do técnico lusitano Jorge Jesus,
do Flamengo, equipe de futebol do Rio de Janeiro. O Mengo, apelido carinhoso do
time considerado o mais popular do Brasil, conseguiu a incrível e histórica
façanha de obter dois títulos extremamente prestigiosos em menos de 24 horas:
campeão da Taça Libertadores da América e da Série A do Campeonato Brasileiro.
A primeira conquista foi sacralizada em partida realizada em Lima, Peru, onde
seu artilheiro GabiGol marcou duas vezes em dois minutos de prorrogação,
virando o placar do jogo quando as esperanças flamenguistas sumiam morro
abaixo. Meu amigo Francis até já tinha perdido a fé em Jesus e desligou a TV
antes de presenciar o sucesso rubro-negro. Não pôde, pois, vislumbrar um milagre
em tempo real. Disse-me que Jesus era meio pé-frio; já perdera muitas decisões
de campeonato pela carreira afora. A segunda apoteose em menos de 24 horas aconteceu
pela matemática dos pontos corridos do dito Brasileirão, certamente a liga de
futebol mais disputada do mundo, por conta de seu elevado número de
participantes com reais chances de terminar a competição em primeiro lugar:
mais motivo para o êxtase rubro-negro!
Não é pecado, acho, dizer que o Jesus português é hoje venerado ao sul do equador. Disse o próprio, outro dia, que ainda vai virar “uma lenda na história do futebol canarinho”. Ele é a quem os torcedores cariocas chamam de Mister – será que é porque o homem é um raro estrangeiro no comando de equipes futebolísticas brasileiras, e por isso, um tipo “gringo”? Como se revela pelo seu sotaque, às vezes difícil para o brasileiro entender (tanto que de vez em quando as emissoras brasileiras usam legendas para ajudar os tupiniquins), Jesus é com certeza de lá, de além-mar, da terra dos nossos patrícios. Curiosamente ele até foi técnico, por muito tempo, do “Flamengo” de Portugal, o clube de maior número de “adeptos”, o também apaixonadamente vermelho Benfica.
Muito bem: vamos ao causo, o mote dessa falsa crônica-sacrilégio. Uma emissora de TV portuguesa, disse-me Francis, estava transmitindo a festa histórica e homérica no Rio de Janeiro e muito além, com muito samba e muita cachaça. Ela principalmente ocorria, naquela segunda-feira, nas praças e avenidas do centro da ex-capital do país. Milhões, sim, milhões, de flamenguistas homenageavam os jogadores e a comissão técnica da equipe campeã. Todos se viam, de repente, simplesmente no céu. Aí um repórter lusitano se aproximou para entrevistar um torcedor muito exaltado, provavelmente já meio bêbado, como outros milhares de torcedores. Perguntou-lhe:: “Então, pois, o que achas do Jesus?” O carioca não pensou duas vezes: “O Jesus? O Jesus é FODA”!
Imaginem aquela situação, uma chula (mas falsa) blasfêmia de tal ordem – em transmissão ao vivo para todo o país Ibérico! Coisa de carioca, ou coisa do futebol, diria o Nelson Rodrigues! Mesmo muitos mineiros da gema, como eu, também puderam sentir um gostinho da vitória em Lima. Afinal de contas, a partida que decidiu o título foi contra o River Plate, da Argentina. Como os portugueses, eu também tirava uma casquinha de orgulho nacionalista, já que é extradoce e, muitas vezes, comovente, vencer os rivais portenhos no futebol. A richa é velha, mas não se esvai com o tempo. É como vinho: só melhora!
Naquela hora do jogo de “sapassado”, em bom mineirês, estávamos todos unidos na justa e gloriosa missão de superar, em terras peruanas, os nossos “hermanos”, como carinhosa e ironicamente chamamos os argentinos. Aliás, juntos estaremos outra vez, mineiros e flamenguistas, logo em dezembro, quando o Flamengo, de Mister Jesus, o Foda, poderá vencer a equipe inglesa do Liverpool, em Qatar. Quem sabe o clube carioca será, com alguma ajuda divina, o Campeão Mundial de Interclubes de 2019? De fato, lá em Minas há muitos flamenguistas, uns até bem chatos, de tão fanáticos. Tem problema não. Lá em Minas tem de tudo. Só não tem mar de verdade. Mas pra quê mar – ai, Jesus – se temos um mar de estrelas vistas de tantas e tão belas montanhas que acariciam os olhos e refrescam ainda mais a alma da gente?
domingo, 21 de abril de 2019
Os loucos, a égua, e uma porção de rato // The Madmen, the Mare, and a Handful of Mice (Bilingual)
June 2001Short Story
Os loucos, a égua,
e uma porção de ratos
Quando os americanos e russos começaram a explorar o espaço sideral, nós demos ao Marechal uma garrafa velha e suja, cheia de um líquido amarelado. Aquela leva de desalmados havia contribuído para o presente com uma amostra quente de urina.
Dário Borim
The Madmen, the Mare, and a Handful of Mice
When Americans and Russians started to explore outer space, we gave Marshall an old dirty bottle, filled with a yellowish liquid. Of course many of us kids, vile little bastards, had chipped in the gift with the hottest of our urine.
Dário Borim
Deus e o Diabo na Terra do Carnaval // God and Satan in the Land of Carnaval (Bilingual)
Deus e o Diabo na Terra
do Carnaval
February 2003
Carnaval em Paraguaçu. Ao som da excelente batucada promovida
pelos músicos da Liga Operária, rugíamos, pulávamos e
lutávamos como felinos esfomeados. Às vezes corríamos e
cacarejávamos em ótimo astral, feito um bando de galos e
donzelas garnisé. Era uma festa total no terreiro da alegria e da descontração.
Dário Borim Jr.
O Carnaval do Brasil, como os de outras nações, tem seus disparates. Lá homem adora se vestir de mulher, pobre se fantasia de rico, e pecado é santificado pelos jovens em praça pública. Será que todo ano Deus faz algum pacto com o diabo e fecha os olhos por somente quatro dias? Não creio, mas parece, porque é muito milagre para um santo só. Por conta de umas afinadas batidas de surdo (e de limão, claro), mais vale é habitar ou sonhar com um mundo onde a alegria e as alegorias de paz e cidadania são produzidas ou patrocinadas por incomparáveis artistas, incorrigíveis malandros e incrivelmente bem-intencionadas — e bem-humoradas! — autoridades.
Nos carnavais das décadas de 1960 e 1970, a Prefeitura da minha pacata cidade natal, Paraguaçu, contava com uma legião de voluntários e organizava dois desfiles de rua: um no domingo, e outro na terça-feira. Claro que tinha mais. Cada um dos três clubes da chamada Princesinha do Sul de Minas oferecia duas matinês para as crianças e quatro noitadas para os maiores de 14 anos. Conjuntos e orquestras tocavam ao vivo, das 11 da noite às 5 horas da manhã. A estratificação da sociedade revelava-se, em parte, através dos próprios nomes das associações. Uma facção da classe trabalhadora ia para a Liga Operária; outra, de indivíduos menos sacrificados economicamente, freqüentava o Democrata; enquanto que a classe média mais abastada e a elite dançavam no Ideal Clube. Nas ruas, a espontaneidade era sempre uma das melhores características da Festa de Momo. Entre oito e meia-noite, os tímidos e os extrovertidos, bem como os cultos e os iletrados, saíam todos para a colorida Praça Oswaldo Costa, onde dançavam, bebiam e apreciavam a maluquice geral.
Naquela primeira noite de Carnaval em 1976, meu irmão José Carlos (o Tatau) e eu pertencíamos a um bloco da pesada: os Homo-sapiens. Éramos um dos maiores e mais extravagantes grupos de foliões. Contando com quase 40 jovens, o grupo de fantasiados dramatizava o seu tema antropológico. Cordões de dentes de plástico nos tornozelos e ossos de galinha no cabelo (ainda tínhamos, todos, muito cabelo) acompanhavam uma túnica de cetim laranja com manchas pretas redondas, semelhantes às de um leopardo. Ao som da excelente batucada promovida pelos músicos da Liga Operária, rugíamos, pulávamos e lutávamos como felinos esfomeados. Às vezes corríamos e cacarejávamos em ótimo astral, feito um bando de galos e donzelas garnisé. Era uma festa total no terreiro da alegria e da descontração.
A música parecia surgir dos quatro cantos da praça, ecoando nas nossas almas adolescentes. O melhor ritmo, porém, ressonava no Bar do Vatinho, para onde convergia a rapaziada mais animada. Ali dançávamos e farreávamos, quando, de repente, uma voz me chamou a atenção para fora do círculo de homens da caverna.
"Alah, Alah, Alah, hundulilah, handulilah", gritava o caro amigo Delson Ribeiro de Andrade. Sem medo, ele se punha de pé numa banqueta do Bar do Vatinho. Ainda assim, conseguia rebolar os quadris ao compasso do samba, enquanto invocava a presença divina de Maomé. Com os cabelos ondulados, agora crivados de confetes, e os olhos castanhos irradiando paz, como que diante de um paraíso em pleno caos Carnavalesco, Delson se vestia de garota havaiana, com muito estilo. Descalço entre outras "garotas tropicais" a esconder os pêlos da face, o vulgo Amarradinho ironizava a lei seca dos árabes e agradecia aos céus por tanta alegria (e cerveja gelada) cintilando no planeta Terra.
A farra continuava sem trégua, mas no domingo à noite, muitos já sentiam a necessidade de assentar por um instante e fazer acontecer outro lado fabuloso da tradição de Carnaval de muitas famílias brasileiras. Antes de sair mais uma vez para o espaço público do Carnaval de rua e dos bailes de salão, era hora de beber e comer umas coisinhas na descontraída intimidade dos parentes e amigos. Desta vez, um grupo de aproximadamente quinze pessoas curtia o frescor de uma noite enluarada. Na varanda lateral da casa de meus pais alguns tomavam a especialidade da estação: whisky com água-de-coco. Dois charmosos coqueiros que ainda cresciam no jardim — quem sabe ameaçando a estrutura da casa — mantinham o nosso estoque em dia. No ano anterior tínhamos colhido, ali mesmo, nada menos que trezentos cocos da Bahia.
Um aspecto divertido daqueles encontros familiares era que certas pessoas, normalmente sérias e reservadas, naquela hora soltavam as rédeas. Muitas vezes este era o caso de meu pai. No espaço doméstico do Carnaval se permitia desfrutar as histórias que filhos, parentes e amigos contavam sob a inspiração maior do elemento alcoólico. Entre tira-gostos e goladas refrescantes, todos eram afetados de um modo ou de outro pelo bom-humor suspenso no ar. Até minha mãe, que aos cinqüenta anos mal suportava meio copo de vinho, deixava transparecer seu contentamento, apesar de uma crescente preocupação com os possíveis excessos dos filhos adolescentes.
As narrativas, retocadas pela animação do relator da vez, muitas vezes retomavam enredos de extravagância e perigo vividos por meu irmão e eu (além de nossos amigos mais aloprados). O cunhado José Côdo recordou, a certo momento, a noite em que minha mãe e sua irmã Guida voltavam a pé para casa, depois de apreciar por algumas horas o baile de Carnaval no Ideal Clube. As duas senhoras passavam pela parte de cima da Praça Oswaldo Costa — os estrondos da música de salão ainda reverberando nos seus ouvidos — quando minha mãe percebeu algumas marcas de sangue no passeio por onde andavam. Quando as duas irmãs viraram a próxima esquina, a da casa de Tia Noêmia, continuaram seguindo as mesmas marcas.
Um quarteirão acima, as duas respeitáveis senhoras viraram à direita e continuaram seguindo as bolas de sangue. Mamãe já estava preocupada — afinal de contas, ela é Mendes — quando sua pressão sanguínea subiu pra valer, pois as bolas de sangue cruzaram a rua, subiram as escadas e passaram para o outro lado da porta de entrada de nossa casa. Uma vez dentro da casa, ela nem precisou olhar para o chão. Atravessou a sala e foi direto ao quarto dos meninos.
Minha irmã Silvana falou da rápida e variada sucessão de sentimentos. Primeiro, mamãe é tomada pelo medo, ao ver as marcas subindo as escadas; depois, pelo nojo e a pena de ver o filho mais velho, Tatau, dormindo em uma poça de vomito. Por último, ao acender as luzes e pesquisar bem a situação, mamãe certamente entrou em grande confusão: apesar do sangue acumulado ao lado da cama, o filho de dezoito anos não apresentava qualquer ferimento. Aliás, dormia feito uma múmia, e assim permaneceria por muitas horas manhã adentro. O mistério continuava vivo para alguns dos presentes àquela reunião pré-carnavalesca.
"Mas, e as marcas de sangue?", perguntou minha prima Nilbe. Com uma risada mal contida Silvana explicou que Marcelo Viana, outro Homo-sapiens, tinha percebido que Tatau se encontrava muito bêbado no salão do Ideal Clube e precisava de um bom banho frio. Para Marcelo, a água suja da fonte da Praça Oswaldo Costa era a solução. Mas o Bom Samaritano se deu mal com um caco de garrafa, que lhe cortou o pé no fundo da fonte. Como Marcelo também era chegado ao "mé", naquela noite encontrava-se anestesiado demais para notar qualquer coisa estranha consigo mesmo. Só assim pôde dar continuidade ao seu projeto humanitário, e quase matar d. Lucci Prado Mendes Borim de pavor.
Nenhum show da Terra, não importando se é bom ou se é ruim, deixa de ver, um dia, o seu próprio fim. Mais uma Quarta-Feira de Cinzas, então, chegou como sempre chegava: trazendo fadiga e ressaca. Entre outras mudanças, era hora de voltar para o trabalho e para os estudos. Parentes, amigos e amantes se despediam sem muita alegria, vigor ou poesia. O silêncio profundo desde as sete da manhã era costumeiro, enquanto o sol naquele dia nacional da dor-de-cabeça seguia seu curso normal. Boa parte do comércio permaneceria fechada até o meio-dia. De repente,
"Dleng, dleng, dleng...," mas poucos seres adormecidos sequer tinham ouvido os quatro imensos sinos da Igreja Matriz marcando presença em todas as casas e anunciando que eram dez horas. Por certo não faltou quem praguejasse aquela invasão de lares católicos e não católicos.
Logo a seguir ecoou, por toda a cidade, uma canção falando de anjos e pastores, seguida de um vozeirão:
"Anúncio. O Dr. Félix, oftalmologista de Varginha, estará atendendo a população de nossa cidade nesta quinta-feira..."
Vieram outros três ou quatro anúncios de propaganda e de serviços da Igreja, até que uma pausa se instaurou. Mas durou pouco, pois outra melodia logo alcançava os cantos mais remotos da cidade. Desta feita o tom era bem mais lúgubre:
"Ave Maria, bla, bla, bla..."
Teria Franz Schubert terminado sua famosa peça sacra se soubesse que ela seria recebida nos Trópicos com tantos palavrões?
Quando alguns foliões já tinham conseguido retornar ao sono, apesar do encanto melódico daquela obra clássica, voltou o vozeirão no alto-falante da Igreja Matriz:
"É com grande pesar que anunciamos o falecimento do sr. João de Deus, cujo corpo está sendo velado à rua..."
Para alguns revoltados, aquilo soava como um caso de injustiça divina. Paraguaçu não tinha uma estação de rádio, e a culpa recaía sobre os ombros — digo, os ouvidos — de infelizes bebuns e mocinhas namoradeiras. Mas, talvez fosse a voz de Deus abrindo alas, ao som de um ária triste. Sua mensagem, era, afinal, deveras realista:
"Cuidado, galera! O diabo do samba, do cigarro e da cachaça também mata. E nem tudo é Carnaval".
God and Satan in the
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Um dia de cão em Paris // A Dog Day in Paris (Bilingual)
Enquanto que aquela cena teatral se desenrolava, bem
no fundo da minha cabeça eu imaginava o que
provavelmente pensavam muitos dos transeuntes que
nos viam: "esses estúpidos américains. Não conseguem
nem controlar o apetite sexual dos seus bichos de estimação!"
Dário Borim
Para alguns sujeitos do meu tipo, peitudo e pretensioso (apesar de nascido em uma cidade pequena como Paraguaçu), as cidades grandes são maravilhosas fontes de surpresa e aventura. Talvez por isso eu aprendera a amar Belo Horizonte desde os meus primeiros contatos com a capital dos mineiros, aos 13 anos de idade. Talvez a mesma atitude tenha-me levado a passar minhas primeiras horas em Nova York em completa imersão no mundo doido e desconhecido do Central Park, até altas horas da noite. Bem, esta última façanha foi em uma era diferente, 1981. Eu tinha 21 anos: nem podia e nem queria imaginar os riscos rondando aquela famosa parte da cidade.
Dez quilos e dez anos mais tarde, eu já deixara de ser tão burro, inocente ou descuidado. Era uma outra década, e a linha do meu cabelo tinha recuado uns cinco centímetros, ou mais. Apesar de ainda ser estudante e padecer da mesma falta de grana (como sabem, bolsas de estudo não cobrem viagens de férias), sentia-me perfeitamente seguro e preparado para visitar, pela primeira vez, o coração da França. Mal podia eu saber, entretanto, que apesar das precauções, dos mapas e de uma companhia atenciosa e carinhosa (a minha própria esposa em nossa Lua de Mel), nada me impediria de ter um debut completamente desastroso em Paris.
Tudo começou num pequeno café-lanchonete, a uns dois quarteirões do monumental Museu do Louvre. Um pouco antes da hora do almoço Ann e eu conseguimos pedir, em francês, um sanduíche tipo croissant sem saber exatamente a natureza mais banal do recheio: presunto e queijo. Certamente estávamos excitados para iniciar uma longa maratona de Miguelangelos e Renoirs. Era melhor enchermos a pança antes de ficarmos animados demais e perdermos a fome. Por ora, para quê nos importarmos com dois cachorros—uma fêmea pequenina e charmosa, e um machão meio marrom, com cara de bravo—também circulando por ali, naquele café enfumaçado, já que era dezembro e o ar frio lá fora não atraía nenhum ser, racional ou irracional? Além do mais, estávamos em plena França, onde tantos cachorros e gatos demonstram pelas calçadas todo ofinesse das suas roupinhas de bicho burguês e todo o fedor das suas fezes indiscretas.
Depois de sair do café, eu ainda tentava calcular quantos dólares tínhamos gastado com aquele lanchezinho de araque quando comecei a sentir umas garras de pouco mais de dois centímetros me arranhando na altura dos quadris. Antes que pudesse reagir, algo mais grave começou a rolar: uma língua quente e animalesca me lambia no traseiro bem arrebitado que Deus me deu. A coisa piorou ainda mais (engrossou pro meu lado, vamos dizer assim), quando percebi que um certo bastão de carne roçava o interior das minhas coxas.
Sem muita coragem para encarar a realidade de frente, isto é, de trás, fui logo gritando, "Meu Deus do céu, que diabo é esse me grudando aqui nas pernas". Eu já podia ler no olhar avermelhado da minha esposa a confirmação de que a situação era bem delicada, pois, como eu supunha, havia um cachorro enorme tentando me executar ali mesmo, no meio da rua.
"Damn dog, go away, go away!", gritou Ann, em inglês — algo como "saia daí, seu cachorro desgraçado". Mas pra quê, se aquela criatura francófona com certeza não entendia a língua dos velhos rivais, os ingleses? Enquanto eu tentava me desvencilhar, lembrei-me de que deveríamos procurar alguma expressão francesa que carregasse grande força retórica, uma ameaça autoritária qualquer que fizesse o cachorro parar com aquela sem-vergonhice—algo do tipo "senta, filho da mãe", ou "some daí, seu puto". Ora essa, mas que brincadeira besta era aquela comigo!
Já que a minha cabeça andava atrapalhada de tanto susto e medo, eu nem conseguia retirar da memória uma única palavrinha francesa daquelas aprendidas com o Irmão Ivo no Juvenato de Paraguaçu. Então implorei para que Ann descobrisse ou inventasse alguma expressão útil na língua de Marcel Proust. Não saiu nada que prestasse. Ela fez lá uns sons estúpidos em alguma língua estrangeira, "saiê, salê, fuera", mas o bicho não estava nem aí. Continuou no abuso de minha dignidade sem dar bolas para os apelos da minha esposa.
Enquanto isso eu tentava caminhar mais rápido, mas o bicho não me deixava em paz um só segundo. Preso às suas garras, experimentei o truque de girar em torno de mim mesmo, sem me deslocar, com a inútil esperança de conseguir estontear o cachorro desalmado. A única conseqüência foi a de que fiquei eu ainda mais confuso diante daquela situação embaraçosa. Ann então começou a rir, de nervosa. O seu idioma português foi mais uma tentativa a fracassar: "Não cachorro—pelo amor de Deus, não!" Esporadicamente eu notava nela uma luz esquisita nos olhos e um amargo na voz. Logo perdeu a compostura, e apelou, como uma "carioca" que morava no Rio de Janeiro nos 80: "Pára, porra, pára!"
"E agora o que fazer?", perguntei-me em voz alta. Pelo menos não havia mais que cinco ou seis pessoas em todo o quarteirão—menos vergonhoso, pensei. Então um de nós disse (e até hoje nem ela e nem eu sabemos quem foi) que aquele cachorro miserável provavelmente era um dos bichos que a gente viu na lanchonete. Especialmente por causa da coleira, que parecia ter as mesmas faixas vermelhas ao meio. É, não havia dúvida: era mesmo aquela combinação gigante de bulldog e pastor alemão (a boca e o pêlo do primeiro, o tamanho e a altura do segundo).
Aquele estranho episódio já se prolongava pelos mais longos dez minutos da minha vida até então. Na próxima esquina, quase a um quarteirão do ponto em que se iniciara aquela tragédia canina, dobramos a direita e Ann aparentemente conseguiu uma saída para o nosso sofrimento: a enorme porta de vidro de um prédio à nossa direita. Ela correu naquela direção e eu a segui, por um instante livre das garras no animal. Entretanto, ele logo nos alcançou, bufando, mas sem deixar de ofegar ou "babar de desejo", como me diria minha companheira, horas mais tarde.
Ann e eu até hoje descordamos sobre quem de fato teve a idéia, mas, não importa: nós três pudemos entrar no prédio por aquela porta de vidro. Logo depois dela sair eu consegui fechar a passagem atrás de mim, bloqueando o monstro cujas narinas só queriam saber dos prazeres das minhas pernas.
"Liberté avec élégance", gritei em francês pela rua afora, em júbilo total, em uma forçada tentativa de levantar o meu sentido de dignidade. Mas que ingenuidade a minha! Nós já nos encontrávamos quase em frente ao museu, a pouco menos de 200 metros de distância, quando senti algo muito ruim. Aquelas terríveis garras me grudavam de novo nos quadris. Eu nem acreditava mais no que via ou sentia; parecia que todos os parisienses conspiravam contra nós naquele dia. O porteiro do prédio não tinha tido a menor dó e fora logo soltando o cão tarado, que acabou chegando a mim antes que eu chegasse ao Louvre.
Meu embaraço era muito maior naquele momento. Ainda com medo de tocar na fera optei por dar mais um giro, mas o cão também girou. Não dava nenhuma trégua na sua busca por prazeres pornográficos com um ser da espécie humana. O bicho queria praticar, vamos dizer, o inverso da bestialidade. (Que nome poderíamos dar a tal ato de selvageria sexual?) Talvez porque Ann venha de um estado americano nacionalmente famoso pela sua "gente polida" (Minnesota nice) e tenha exercido uma influência positiva sobre o meu jeito de ser levemente descarado (ou mundano), nós até que xingamos poucas vezes aquele cão-capeta, em português ou inglês.
Enquanto que aquela cena teatral se desenrolava, bem no fundo da minha cabeça eu imaginava o que provavelmente pensavam muitos dos transeuntes que nos viam: "esses estúpidosaméricains. Não conseguem nem controlar o apetite sexual dos seus bichos de estimação!" Na realidade não aparecia uma única alma viva para nos ajudar. Aliás, era uma pena que não havia nenhuma arma de fogo ao meu alcance, porque, totalmente desonrado por aquelas repetidas tentativas de estupro eu queria mesmo era meter bala naquela criatura inescrupulosa.
Pensamento positivo tem os seus limites, é claro. Então Ann e eu resolvemos que nós três entraríamos para o museu de qualquer forma. Talvez os seguranças daquela distinta instituição pudessem fazer algo por nós. Eu já estava pensando que nós nos encontrávamos não exatamente na Europa mas em uma hipotética Índia do Primeiro Mundo onde certos animais eram sagrados (entre eles o tal do cachorro) e tinham todo o direito de destruir a felicidade da espécie humana.
Em um salão bastante largo, que nos levava à entrada do Louvre propriamente dita, ouvi minha esposa tentando explicar a situação para os dois guardas ali de plantão, um homem e uma mulher. Com um inglês meio capenga, mas certamente melhor que o nosso francês confuso e minimalista, os guardas puderam fazer perguntas e compreender que o cão (pelo amor de Deus!) não era nosso. Mas enquanto que a ralação e o babado continuavam do mesmo modo por parte do animal feroz, os guardas confessaram não ter a menor idéia da providência certa a tomar diante do nosso estranho caso.
No momento em que um dos guardas solicitava ajuda pelo rádio, a mulher de uniforme nos deu uma brilhante sugestão: que tal me "prenderem" na guarita de vidro instalada em um canto daquele salão de entrada e, impedirem, é claro, que o animal me acompanhasse até aquele "esconderijo"? Não é que o truque aparentemente deu certo! O que, de fato, não significou que o pesadelo tivesse acabado por completo. Tudo estaria bem se o filho-de-uma-cadela não resolvesse dar, ele próprio, um plantão ali no salão, arregalando os olhos, arfando com as narinas dilatadas, e rodeando a minha guarita sem desistir um minuto da minha companhia ou do meu charme.
O que tinha tudo para ser um fantástico alívio agora me fazia sentir ainda mais machucado. Bandos e mais bandos de turistas entrando para o museu, geralmente crianças japonesas, agora paravam para fazer perguntas, assistir e fotografar (imaginem a honra!) aquele bizarro espetáculo envolvendo um paraguaçuense expatriado em desespero e um cachorro parisiense em plena tara. Por detrás do vidro eu pude observar que minha esposa fazia de tudo para parecer calma. Para isso olhava para os lados e tentava relaxar os músculos da face. Aí veio outra cena de me tirar do sério. Chegaram mais guardas e, a um certo momento, um deles teve o conhecimento de inglês necessário e a petulância de um bobo da corte pra dizer a Ann que ele sentia muito, mas que não havia nada a fazer, pois aquele cão estava loucamente apaixonado pelo seu esposo. (Onde é que havia de existir uma pistola, meu Deus?)
Bem, eu mal podia acreditar na acuidade das minhas retinas quando aquela mulher de uniforme (a "boa samaritana" que quis me colocar na guarita) decidiu que ela podia muito bem correr um pequeno risco e grudar a coleira daquele bicho sacana. Assim o fez ela, como muita coragem, e o animal, para a surpresa de todos, reagiu bem, até com uma certa civilidade. Ela, então, levou o cão até um daqueles cordões divisores, de veludo vermelho (típicos de cinema), e ali algemou o filho-de-uma-cadela pela coleira.
Libertas quae sera tamen, dessa vez eu quase gritei o lema mineiro de liberdade, em latim. Mas era bobagem, e eu não queria passar por louco. Queria era esquecer o acontecido o mais rápido possível, mas nem isso eu consegui, apesar do momentâneo alívio. É que logo mais teria outra sessão de pavor ao ver tantos cães pintados nas distintas telas do museu. Por isso acabei passando o resto do dia em um estado de náusea, carregando comigo as marcas concretas daquela insolência animal. Minhas pernas e braços estavam arranhados e as pernas da minha calça jeans guardavam os odores de dois cães: o do bicho tarado, com certeza, e, provavelmente, o de uma cachorrinha no cio, aquela que se chocou contra as minhas pernas pelo menos duas vezes no pequeno café parisiense.
Foi assim a minha visita ao Louvre — aquele majestoso museu que deveria ter sido o portal de ouro para a Cidade das Luzes. Cultura, arte, transcendência, estes eram os sonhos de um ex-menino de cidade pequena que se transformara em aventureiro internacional para depois virar intelectual de cidade grande. Em Lua de Mel eu acharia quase tudo muito sofisticado e elegante no Velho Continente, dos canais de Amsterdã às fontes de Florença, exceto Paris. A ocasião que poderia ter-se tornado a melhor parte da viagem por vários países da Europa, com ecos da inteligência de Simone de Beauvoir e James Joyce às margens do rio Sena, por exemplo, na verdade só me deu vergonha e ódio. Fui levado a um tal nível de humilhação pública que a minha única indenização por tantos danos morais foi pensar que um dia eu teria um bom material para uma história, a vingança de um dia de cão em Paris.
A Dog Day in Paris
As that theatrical scene unfolded, deep down in my psyche I
assumed the thoughts of some of the many people
walking by us: "These stupid américains. Can't even
control their own puppies' appetite for sex!"
There was no one to give us a hand, though.
Dário Borim*
For people like me, daring and pretentious (but born and raised in a provincial small town like Paraguaçu, Southeastern Brazil), big cities were dream-like sites of adventure and surprise. That's probably why I learned to love Belo Horizonte on my third visit to the capital of Minas Gerais, at the age of 13. That's probably why, also, my first hours in New York City were a total immersion into the wild and unknown world of Central Park quite a few hours after dark. Well, that was a different era (1981). I was twenty-one. I could not or did not want to imagine any risks roaming that part of town.http://www.brazzillog.com/2003/html/articles/aug03/shoaug03.htm
Ten years later and twenty pounds heavier, I no longer played that dumb or that stupid. It was a different decade, after all, and my hair had grown a lot thinner. Even though I was still a broke full-time student (graduate scholarships, after all, don't pay for trips abroad), I felt perfectly safe and ready to visit the heart of France for the first time. Little did I know, however, that being cautious, following maps, and having a smart and caring companion, such as my own wife on our honeymoon, would not prevent me from having a disastrous debut in Paris.
It all started at this tiny café, a couple of blocks behind the monumental Louvre. At lunchtime, my beloved Ann and I managed to order, in French, a sub-like sandwich unaware of its most trivial ingredients: ham and cheese. It certainly was going to be a marathon of Michaelangelos and Renoirs and we'd better get fixed before getting too enthusiastic to eat. Meanwhile, why bother the two puppies—one, a small and delicate female; the other, a brown and gross-looking male—sharing the smoky quarters, since it was December and the chilly air didn't appeal to any one, humans or beasts? Weren't we in France, where so many cats and dogs in the streets showed real style in clothing and pooping in semi-hidden corners?
Once outside again, I was still trying to figure out how costly that ordinary snack had been in dollars, when I felt these inch-long claws scratching my hips. Before I could react, something worse started to happen: I could feel this hot, animalistic tongue licking my rounded buttocks. The whole affair got really bad (let's say, darn hard on me) when I noticed this fleshy stick rubbing the insides of my thighs.
Without any courage to gaze at ugly reality face-to-face, I immediately asked my wife "Oh my God, what the hell is going on?" Too surprised to understand what was cooking behind me, even too afraid to take a decent peek at the imaginable perpetrator, I could read Ann's distress through her reddish face and then realize that there actually was a gigantic dog trying to hump me right there, in the middle of the street.
Ann shouted in English, "Damn dog, go away, go away!" and I attempted to disentangle myself from the animal. But what was the use of such words, if that Francophone creature surely could not master the tongue of the old rivals, the Britons? While I carefully tried to get out of that sexual trap, it soon dawned on me (at this point fearful and helpless), that we ought to remember some French expression that carried a sense of power, that forced this dog to "stop!" or "sit down!" or "go away!" or "fuck off!" Since, in my troubled mind, I couldn't even open the file of my middle-school French notes, where some rusty lessons from my Canadian teacher might have survived two decades of oblivion, I begged Ann to recall something to that effect. Apparently no lexicon of hers seemed right. She murmured and mumbled foreign sounds of some sort, like "sigh-ay, salee, fuera," but nothing caused the dog to change its way. The animal continued abusing my dignity without giving a hoot to my wife's innocuous appeals.
In the meantime, I tried to walk faster, but the beast wouldn't leave me alone for a second. Stuck on the sidewalk, I tried to turn around and around, hoping to make the dog dizzy, yet the only result was more confusion in my own head. In fear, Ann started to lose it, after laughing rather nervously at me for a while. She started to shout in Portuguese, her second language, "Não cachorro—pelo amor de Deus, não!" as if she were pleading mercy by the love of God. Sporadically there was a taste of horror in her tone of voice, and she went on and on with "Pára, pára, porra, pára!," all of which to no avail. Ann had forgotten about keeping a face. As a goodcarioca, which she was in the early eighties, she cursed in the face of the beast with something nearly as bad as "Knock it off, fucker, just knock it off."
"Now what do we do?" I wondered aloud. At least there weren't more than five or six pedestrians in the entire block—less shame, I guess. Then one of us said that that dog was probably one of the puppies at the snack-bar. (I don't quite know, today, and neither does my wife, who spoke and who listened at that point.) The other agreed. Especially because of its thick leather collar with a red stripe in the middle, there was no doubt: it was that beast, which appeared to be a strange and huge combination of bulldog and German shepherd, the mouth and general body shape of the former plus the size and height of the latter. At any rate, I even hate the thought of remembering the features of that bastard now, as I write. What a scumbag!
This strange sort of affair went on for some of the longest five minutes of my life. Then, at the next corner, about a block away from the site of our encounter with the beast, we took a right, and Ann managed to see an escape to our canine tragedy: a large glass door to the building that lay all along that block, to our right. She ran toward that way and so did I without the animal, momentarily left behind us. However, it soon caught up with us, gasping but seldom failing to pant or "foam at the mouth in lust," as Ann put it later.
My wife and I still argue about it, so I can't really say whose plan it was, for sure. But the deal is, the three of us were able to get inside that large building. I didn't even care to see if it was a business or residential complex. Quickly after Ann, who was inside for no more than ten seconds, I turned around and fled the building myself, making sure I closed the door right between my protuberant tail end and the dog's disgusting snout.
"Liberté avec élégance," I proudly told myself in French, in an attempt to raise my sense of dignity while Ann and I ran like mad dogs away from that building. We were already in front of the museum, basically six hundred feet from the back door, when I nearly froze inside: those terrible claws grabbed me by the hips from behind again. I simply couldn't believe it, but apparently all the Parisians were conspiring against us. The darn doorman we saw at the building must have released the animal that apparently could not live without the fragrance and pleasure of my legs. As upsetting as it may seem, the monster reached me before we could reach the Louvre.
My embarrassment was much deeper now, but for the most part I still operated on the stereotypical attitude known as "Minnesota nice." Still afraid to touch the dog I once again tried to turn around and around, but the beast wanted no break. He went on and on with his pornographic business involving a member of the human species. What the dog sought after was the reverse of bestiality. (What name could we assign to such an act of sexual savagery?) Perhaps because she is a good Minnesotan who has had a pretty positive influence on my slightly shameless (or mundane) ways, my wife and I did shout for help but rarely cursed at the beast, in English or Portuguese.
As that theatrical scene unfolded, deep down in my psyche I assumed the thoughts of some of the many people walking by us: "These stupid américains. Can't even control their own puppies' appetite for sex!" There was no one to give us a hand, though. Too bad there was not a gun at hand either, because, utterly dishonored by that attempted rape, I might have easily shot the horrendous creature.
Wishful thinking has its limits, I guess, so we decided the three of us would enter the museum anyway. Perhaps the security guards there could do something. I was already thinking we were in a First World India where certain animals (among them the illustrious canine species) were sacred and had all the freedom and privileges they aspired to.
In a wide hall that led to the main entrance to the Louvre, I heard Ann try to explain the situation to two of the guards, one male and the other female. Their English, rather broken, but certainly better than our own confusing and minimalist French, was apparently good enough for them to understand that that dog (thank God!) was not ours. While the humping and foaming and scratching continued, though, none of the guards knew what to do in light of such unusual and comical circumstances.
When some of them were using their radio to call out for help, the female guard had a brilliant idea. How about "locking him up" in the glass security booth set in a corner of the hall, and "keeping the dog outside, of course"? Isn't it just swell that the trick worked? For me, it was very comforting to be alone in that closed area. Yet, that refuge didn't mean my nightmare was over. All would be fine, I guessed, but the son-of-a-gun decided it wouldn't go away. It kept staring at me, now and then circling the booth without losing a sense of my companionship or a speck of my charm.
My stint at the booth, which had felt for a while like a tremendous relief, now made me feel even more painfully ashamed. Herds of tourists coming into the museum, mostly Japanese school kids, stopped to learn about the incident and take pictures of the parties involved: a Brazilian expatriate in despair and a Parisian dog in lust. (Can you imagine my celebrity pride?) From behind the glass I could sense my wife's share of despair even though she clearly tried to hide it from me by either looking sideways or smiling or laughing, as if the matter were simply comical. Indeed, the area started to get crowded. Soon there were another three or four guards, one of whom had the guts to remark, to my wife, as she briefed me on half-hour later, that there was nothing they could do since that dog was madly in love with her husband. (God, where the hell could I find a pistol?)
Well, I could hardly believe my eyes when the same female guard that assigned me to the booth decided she could take the risk and grab the dog by collar. She did it, defiantly, and the dog reacted most congenially. She brought the animal close to one of those metal posts that sustains velvet isolation cords in theaters and locked the sex maniac by the collar.
Libertas quae sera tamen, this time I almost cried out Minas Gerais Latin motto, "Freedom, even if it is late." But it would be nonsense. The least thing I wished, at that point, was to suggest to others around me that I was a lunatic. It was freedom at last, but what I hoped for the most then was to forget my recent plight altogether. It was not possible, however, for the dread I was to experience inside the museum every time I saw any of the so many dogs painted on such exuberant canvases. I was traumatized. I remained badly sick of all them dogs throughout the day. I was sick, most of all, because my very pants still smelled like one of them, probably two of them, since the whole ordeal must have sparked when, at the café, that poodle-like female, certainly in heat, rubbed against my legs a couple of times.
The Louvre, yes—that majestic museum would be the golden gate to the City of Lights. Culture, artistry, transcendence, these were the ultimate pursuits of an ex-small-town boy gradually metamorphosed into an intellectual and international urbanite. On a honeymoon with my best friend and best lover, all had been very exquisite in the Old Continent, from the picturesque waterways in Amsterdam to the elaborate fountains in Florence, except for Paris. The supposed occasion of a lifetime for someone expecting to find elegance in every European corner, or inspirational echoes of Simone de Beauvoir's wit or James Joyce's craft by the Seine, actually dumped me in a puddle of hatred and shame. I was led to such a level of humiliation that my only post-stress indemnity was to imagine that one day I would have good material for a story, my revenge on a dog day in Paris.
*Borim's bilingual editions are not translations. Kin souls at best, the texts bear a mutant life of their own. The first English version was written in the early 1990s, when Borim was a candidate for an M.A. in Creative Writing at the University of Minnesota. The story hatched again, ten years later, in Portuguese. It soon appeared in Borim's first book, Paisagens humanas, and then changed its English predecessor. A sporadic contributor to Brazzil, Borim is currently a professor in the Department of Portuguese at U-Mass Dartmouth and hosts a weekly radio show dedicated to Luso-Brazilian music onwww.wsmu.org. He can be reached atdborim@umassd.edu
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