terça-feira, 20 de março de 2012

Nos Tempos do Cine Íris


Nos Tempos do Cine Íris

Dário Borim Jr.



A praça Oswaldo Costa é do povo, assim como o céu é do avião. Caetano Veloso que me empreste seu delicioso verso em "Frevo novo", sobre a lendária praça Castro Alves em Salvador, para eu iniciar essa "crônica nova" em viagem, no céu da memória e da imaginação, até minha querida Paraguaçu. Convenhamos, poucas cidades pequenas têm uma praça tão charmosa como a nossa, e pouquíssimas têm na sua história um cine-teatro como o Cine Íris. Como falar, no curto espaço de uma crônica, desse enorme palco de recordações? Por onde começar e onde terminar? Acredito que será necessário escrevê-la em duas partes para resgatar apenas algumas das histórias que ainda estão por serem registradas. Então, se chegarem ao fim dessas mal traçadas linhasbrincadeira, né, pois elas estão certinhas por culpa do computador—e se quiserem mais, podem esperar porque virá uma segunda crônica incluindo mais "causos" daquela inesquecível era de cinema em nossa cidade.
Nos anos 1960 e 70 o Cine Íris era mesmo a alma e o coração daquela praça, e ela, por seu turno, era um microcosmo de toda a nossa Paraguaçu. Os autofalantes tocariam centenas de vezes umas dezenas de versos, como "Dio, como ti amo, non e possible/ Avere tra le braccia, tanta felicita" na voz da italianíssima Gigliola Cinquetti. Eu particularmente me emocionava quando o antigo laguinho e todos os bancos da praça ouviam comigo o Roberto Carlos cantar "Como é grande o meu amor por você". E lá vinham sucessos estrondosos de Wanderléia, Os Incríveis, Jerry Adriani e Rita Pavoni. Na verdade havia música para gente de toda idade e gosto, inclusive melodramas de Agnaldo Rayol, Nelson Ned e Nelson Gonçalves. O fato é que desde o fim da tarde até as primeiras horas da noite, podia-se andar de bicicleta ou fazer o footing na praça deliciando-se ao som que saía das duas ou três poderosas gargantas de ferro do Cine Íris. Quantos namorados sonhavam juntos e quantos casais se casariam depois de um flerte por ali, onde o romance também se nutria dos aromas das flores de um jardim tão belo e bem cuidado.
 De fato, o cinema se fazia presente por todos os cantos da cidade não só por conta daqueles poderosos autofalantes fixos, mas também por conta do autofalante móvel que circulava pra baixo e pra cima nas mãos do competente cantor e animador de shows chamado Airton, aquele fanático torcedor do Palmeiras que tantas vezes passou pela Casa Dois Irmãos só para gritar bem perto das orelhas do meu tio Delmo: "Cê viu? O Parmeira meteu o fumo no Corintia". Quando Airton não se vangloriava do time dos periquitos, ele cantava a todo vapor e vendia broas de fubá ao anunciar as atrações do cinema pelas ruas da cidade. A pronúncia que ele tinha dos nomes das estrelas de Hollywood era especial: "Não perca. É hoje, no Cine Íris: Ben Hur, com Xarton Reston. Amanhã tem mais, o sensacional O dólar furado, com Giuliano Gemma!"
Aquele era o tempo das balas Chitas compradas no cinema (um pouco mais caras) ou no bar mais famoso da época, o Shangrilá. Época dos beijinhos escondidos e prazeres atrevidos da mão boba, dos tagarelas que não calavam a boca por nada desse mundo. Muitos já sabiam os diálogos (depois de ver o mesmo filme meia dúzia de vezes) e falavam alto antes dos atores na tela. Mais comuns ainda eram as guerras de pipoca, e mais temida era a figura do "lanterninha", que tentava apaziguar os ânimos da rapaziada excessivamente namoradeira ou bagunceira. Difícil manter a ordem, claro, se o filme arrebentava muitas vezes ou se o maquinista levava muito tempo para emendar as pontas da película e reiniciar o filme. A vaia era de deixar a gente surda. Dependendo da gravidade da zorra, era hora do famoso e saudoso Carlito (Carlos Prado Campos), dono do cinema, descer e subir o corredor central com um olhar de fera e uma voz impaciente (coitado), às vezes ameaçando de chamar a polícia e expulsar os mais exaltados.
A magia dos filmes vinha de nossos maiores ídolos, um Alain Delon, uma Brigitte Bardot, un Rin-Tin-Tin, uma Sophia Loren, um Zé do Caixão e, também, um Mazzaropi, que um dia visitou nossa cidade. Eu estava lá e mal acreditei: o quê, nosso grande herói caipira em Paraguaçu?
Pois é, nossa cidade não era nada "típica" não. Havia algo de muito especial no ar, na água, sei lá. Alguma coisa metafísica que dava um gosto tão especial àquilo tudo. As escolas tinham campeonatos de futebol. O Fabril tinha um nome a zelar. Vários circos nos visitavam. A cidade tinha duas ou três boates, por exemplo. Lembro-me da Super Plá e da Tesão. O bar do Vatinho era um ímã para todos nós que ali passávamos tardes e noites regadas a muita Antárctica. Havia animadíssimos bailes nos três clubes, o Democrata, o Ideal e a Liga Operária. Tínhamos também um dinamismo cultural impressionante, com festivais de música semanais e com peças de teatros apresentadas por crianças sob a direção da (tia) Selma Sólia Nasser. Lembro-me de um musical que fizemos, com os personagens de Walt Disney. Que festa!
E que festas animadas tinha a própria igreja. Os leilões de prendas e comestíveis eram disputadíssimos. Nós pirralhos sonhávamos com um frango assado embalado em papel celofane. Aquelas festas tinham até partidas de futebol de garotinhos de cinco anos organizadas pelo Múcio Prado Campos e Cícero Viana, jogadas ali mesmo no adro da matriz.
Em poucas palavras: éramos felizes e sabíamos!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Causos de avião




Dário Borim Jr.

Viajar é quase sempre bom. Quando a viagem é longa e passamos muitas horas ao lado de alguém que nos enche de histórias interessantes, melhor ainda. O acaso (será que isso existe mesmo?), então, reúne pessoas que, se estiverem num avião, acabam almoçando ou jantando e tomando umas biritas, como se fossem velhos amigos. Como gosto e, por causa de minha profissão, posso viajar amiúde, tenho tido várias oportunidades de desfrutar de excelentes conversas pelos ares, atravessando mares e matas, longitudes e latitudes de um mundo vasto, mas cada vez mais acessível às pessoas de quase todas as classes sócio-econômicas. Como exemplo, Creuza, uma simpática senhora que faz limpeza na casa de minha irmã Silvinha há muitas décadas, foi recentemente a Lisboa visitar o filho.
Em minha mais recente viagem internacional também fui a Lisboa. No itinerário de ida, passei primeiro por Amsterdã. Na rota sobre o Atlântico assentei-me ao lado de Frank, um engenheiro alemão com quem conversei em inglês por horas a fio. Foram muitos os assuntos e, algumas, as garrafinhas de vinho tinto. Soube que além de criar cavalos nos arredores de Frankfurt, ele treina e chefia um grupo de vendedores e experts em assuntos ligados a seguros industriais operando em diversos países. São engenheiros (que não trabalham exatamente com engenharia) e outros profissionais. Não deixei de falar, com orgulho, de meu irmão Tatau, também engenheiro e também empurrado pelas circunstâncias a mexer com muito mais coisas do que engenharia ao atingir um alto posto na Vale, enorme empresa na área de minérios. Além do mais, Frank ficou sabendo que Tatau trabalhou por muitos anos para uma companhia alemã do ramo, a Ferteco.
Ao retomar esse assunto de longas viagens aéreas lembro-me, claro, que já escrevi algumas crônicas sobre outros excelentes companheiros que o destino me pôs ao lado. Ano e meio atrás foi a vez de uma jovem catarinense, Gabriela, cuja história pessoal me tocou e me inspirou a refletir sobre grandes mistérios, como o papel do amor, da amizade, e da morte de entes queridos nas nossas vidas.
Hoje quero recordar um encontro tão comovente quanto divertido, também em jornada rumo a Lisboa. Era minha primeira viagem a Portugal, há oito anos. Antes de chegar à bela capital às margens do Tejo, meu primeiro voo seguiria de Boston para Paris. Mal tinha eu assentado em minha poltrona quando comecei a perceber o jeito alegre de quem estaria ao meu lado pelas próximas oito horas. Wesley, um senhor de uns setenta e cinco anos, fazia brincadeira com a aeromoça antes mesmo de decolarmos. Quando as garrafinhas de vinho começaram a chegar, nós dois já levávamos um papo animado. Já éramos meio amigos. Ao sabor delas, uma após outra, tínhamos nos tornado dois meninos sorridentes.
A um dado instante, Wesley soube que além de professor universitário eu era radialista, com ouvintes espalhados pelo mundo afora. Ele se levantou e se voltou para trás para anunciar em voz alta a toda a cabine: "Gente, que honra! Estou assentado ao lado de uma celebridade da mídia!"
Logo quis saber de minhas pesquisas e tal. Disse-lhe que o tema de minha dissertação de doutoramento era a narrativa autobiográfica, assunto sobre o qual eu faria uma palestra na Universidade de Coimbra dali a poucos dias. Quando eu lhe disse que minha tese estava ali comigo, pediu para vê-la. E não é que esse senhor passou a ler ali mesmo, por vários minutos, algumas partes do meu primeiro livro?
Houve bastante tempo para Wesley me contar um pouco de sua longa história de vida. Nascido no País de Gales, tinha se mudado para os Estados Unidos com os pais e mais nove irmãos, todos fugindo da miséria que assolava certas partes da Europa na década de 1920. O destino inicialmente lhes foi ainda mais cruel. Seu pai logo morreu, deixando a esposa com dez filhos para criar em terra estrangeira onde, a seguir, chegou a Grande Depressão: desemprego em massa, fome, etc. Em tais anos de escassez geral, o governo do estado de Maine, onde moravam, não tinha pena de imigrantes: não lhes concedia comida subsidiada. A família de Wesley sobreviveria à base de peixes que todos pescavam. Eles os comiam ou trocavam por outros comestíveis.
O pior passou, e anos mais tarde Wesley foi para a França, onde serviu à marinha dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Disse que foi porque foi obrigado, mas foi com a determinação de não matar ninguém. Mesmo na linha fogo não atirava no inimigo.  Ocupou-se de carregar os colegas feridos ou mortos. Para ele o horror maior foi ver tantos deles perderem a vida nos seus braços. A seu modo, Wesley muito colaborou pela Tomada da Normandia, em 1944. Por conta dos serviços prestados ao povo francês naquele Dia-D, ele agora voltava à França, em viagem ao meu lado, para receber homenagens oficiais. Não queria. Não gostava de comemorações por motivo de guerra, mas acabou cedendo aos apelos vindos dos dois lados do Atlântico.
O tom de nossas conversas variou entre o jocoso e o patético, até que exaustos acabamos dormindo um pouco antes de aterrissar no aeroporto Charles de Gaulle. Antes, porém, presenciei mais um "causo" de humor desse grande homem. Quando furtivamente lhe disse que os óculos daquele professor-doutor à sua direita eram de marca Ph.D., ele disse que tinha uma surpresa, algo análogo àquela marca inscrita na armação dos meus óculos. Pediu que eu fechasse os olhos e que só os abrisse dali a segundos. Eu não tinha a menor ideia do que me esperava. Quando pude olhar para ele novamente, o ex-combatente pacifista estava com sua dentadura superior nas mãos: "Veja aqui, Dr. Dário. Você tem Ph.D. comprovado até nos óculos. Eu tenho minha identidade confirmada e nome registrado até nesse instrumento de minha velhice". Pensei com meus botões: com um humor desses, vai-se longe na vida, muito além da Normandia.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Gestos de amor


Era 18 de dezembro, 2004mais uma noite fria de quase inverno, como se as datas no calendário valessem a autoridade que assumem ao determinar o começo e o fim das estações.  Sete anos depois (hoje é dia 20 de dezembro), aqui mesmo em Dartmouth, na costa sul de Massachusetts, relembro a história por detrás de um livro que acaba de sair nos Estados Unidos. É a tradução que fiz para o idioma inglês da biografia escrita por Helena Jobim: Antonio Carlos Jobim: An Illuminated Man.
Para muita gente, essa época do ano é basicamente de alegria por conta da antecipação mental que se faz dos dias em que a família estará reunida, em clima de harmonia e descontração. Para outras pessoas, na melhor das hipóteses esse é um tempo de desassossego. Teme-se o que há de vir: ou a solidão, ou o desentendimento entre familiares, ou mesmo a saudade de quem está ausente ou já partiu desse mundo. Para quem mora longe e não pode estar com seus queridos, por exemplo, o desconforto desta estação de festas pode ser pungente. Fatores climáticos exacerbam a dor ainda mais. Pode ser a chuva incessante que anda caindo no sul e sudeste do Brasil, o tom cinza predominante na paisagem ou o frio rigoroso que, por aqui, com neve ou sem neve, é acompanhado de uma escuridão deprimente a encobrir as ruas e os campos até mesmo antes das quatro horas da tarde.
Naquele dia 18 eu pensava em meu saudoso amigo Roberto Reis, professor e orientador no doutorado que eu fazia na Universidade de Minnesota. Ele morrera também 10 anos antes, em 1994, apenas duas semanas após o falecimento de Tom Jobim. Foi, então, que escrevi uma resenha, em inglês, do livro de Helena Jobim, que até a data só tinha edições em português e japonês. A vida e a morte de Jobim narradas em linguagem poética e dramática pediam-me uma reação, a expressão da minha própria dor que crescia a cada minuto porque se unia àquela de uma irmã desolada pela morte do adorado irmão, cuja música era venerada nos quatro cantos do mundo, mas, principalmente, cuja ausência lhe resfriava a alma de tal maneira que a empurrava à beira do paroxismo, um abismo emocional.
Três anos e meio mais tarde, eu passava férias em Paraguaçu. Certo dia, precisamente a 16 de junho de 2008, eu lia meus emails numa lan-house perto da Praça Oswaldo Costa, quando me deparei com uma mensagem enviada por alguém que não pertencia ao meu círculo de amigos. Eu estava pronto para enviá-la ao lixo cibernético quando decidi verificar do que se tratava: "Dear Sir, I read your 2005 review of Helena Jobim's memoir, and found it fascinating. My research finds no English-translated edition. If you know of one, would you be so kind as to direct me to that source? Sincerely, Robert Lamm." Era um email que, ao mesmo tempo, elogiava minha resenha da edição brasileira do livro de Helena Jobim e me perguntava se eu sabia da existência de uma tradução inglesa daquela obra.
Bastante lisonjeado, respondi imediatamente.  Também estava levemente frustrado por não poder ajudar com a indicação de uma versão do texto para o idioma em que o meu leitor também pudesse ler a biografia poética e apaixonada de Tom Jobim. Logo após mandar o meu email, resolvi fazer uma pesquisa na internet a respeito do meu leitor. Que surpresa me esperava! Logo descobri que Robert Lamm era o pianista, vocalista e fundador do Chicago, banda que nós (bem comportados) ouvíamos em nossas festas dançantes em Paraguaçu, e (bem menos comportados) curtíamos nas nossas repúblicas em Belo Horizonte.
Aquela surpresa seria apenas o início de uma série de desencadeamentos. Através da mesma mágica pós-moderna da internet eu sei que, no horário de Brasília, Robert me escreveu de Cincinnatti, Ohio, às 16h28. Li seu email e, sem muita demora, o respondi às 18h50 (ainda sem saber ao certo quem era Robert Lamm). Sugeri a leitura de uma crônica sobre Tom Jobim que eu havia publicado na revista Brazzil, de Los Angeles, em inglês. Também já revelava naquele email o meu interesse em traduzir o livro de Helena. 
Às 20h26 eu escreveria um segundo email a Robert Lamm, antes mesmo de receber sua resposta ao meu primeiro, dizendo-lhe que Chicago tinha sido uma das nossas bandas favoritas nos anos 70. Ainda naquele dia 16 Robert me responderia às 23h51, com múltiplas informações sobre suas ligações com a bossa nova, sua amizade e parcerias com Marcos Valle, e sua disposição para me ajudar a fazer e publicar a desejada tradução, que se transformou em belo e elegante livro de 300 páginas, 80 fotografias, lançado pela maior editora de partituras do mundo, a Hal Leonard. Está agora à venda em todo o mundo por meio de dezenas de livrarias virtuais, inclusive esta, sediada em Londres, que oferece o livro por apenas 22 dólares, sem cobrar frete nacional ou internacional: www.bookdepository.com.
Robert Lamm e eu mantivemos assíduo contato nas próximas semanas. Ele e seu grupo Chicago faziam uma tourné mundial. Por isso hoje eu recebia um email dele, vindo Tóquio, amanhã, de Copenhague, dois dias depois, de Londres, e assim por diante. Robert obteve o número de telefone de Helena e sugeriu-me editoras. Até mesmo doou dinheiro à Universidade de Massachusetts Dartmouth para que eu oferecesse um curso a menos no outono de 2008 e, portanto, me ocupasse com a tradução da obra a partir de setembro. Nesse mesmo mês tive a felicidade de conhecer e jantar, na casa de minha irmã Silvinha e cunhado José Codo, com Helena Jobim e seu marido, Manoel Malaguti, homem muito simpático e entusiasmado com o projeto de tradução. Infelizmente ele viria a falecer pouco mais de um ano depois daquela memorável noite em Belo Horizonte.
Devo concluir que pude realizar um sonho a partir da generosidade de um grande músico e de uma simples resenha em forma de tributo a um gênio da música universal. Era também a catarse de uma tristeza multifacetada: os falecimentos de Roberto Reis e Tom Jobim, além da melancolia de inverno e fim de ano. Entre outras lições, aprendi que quando se diz ou se realiza algo por afeição e em busca de paz de espírito, cria-se um efeito cascata. As águas poderão rolar ad infinitum, e nunca se saberá até onde poderão chegar as consequências de um gesto de bem, de ternura, e de amor.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Antonio Carlos Jobim: An Illuminated Man







Antonio Carlos Jobim: An Illuminated Man

(by Helena Jobim, published by Hal Leonard, 2011)

Translator's Note

Dário Borim Jr.
University of Massachusetts Dartmouth and WUMD

WHILE LISTENING TO ANTHOLOGICAL RENDITIONS of bossa nova classics by Ella Fitzgerald, Stan Getz, João Gilberto, Dizzy Gillespie, Oscar Peterson, and Sarah Vaughan, among others, I read Helena Jobim’s elegant
Portuguese prose about the genesis of true gems of twentieth-century music. After every other minute, I was further enthused to re-create, in English, such fascinating story lines that explained the writing of “Dindi,” “Desafinado,” or “The Girl from Ipanema.” Moments of such sensorial and intellectual bliss had been extremely rare in my life as writer, literary critic, translator, and radio producer.

It was not always an easy spell, though. Antonio Carlos Jobim was someone else who knew all too well the perils and powers of translation. He always sought the most competent professionals in the business, such as lyricists Ray Gilbert, Norman Gimbel, and Gene Lees, to make his songs shine in meaning and elegance in the English language. He, himself, worked diligently on several of the new versions proposed for his lyrics.He understood the lights and shadows, especially the cultural and linguistic aspects, of literary translation, which demands cuts and additions, welcomes similarities and differences, but cannot refrain from gains and losses. As a result, many stanzas of “Águas de março” and “Waters of March,” for example, are not the same. Although they differ considerably even in length, the two poems display much more in common than the literal images they convey. Most significantly,
neither is superior to the other.

Translating this book has been as daunting as any other translation task, except for the fact that Helena Jobim is an award-winning writer and her brother is regarded by many critics as one of the greatest composers of the twentieth century. So, I definitely gave my heart and soul to this mission, but not without the support from the University of Massachusetts Dartmouth and several individuals. My thanks go to John Cerullo, for trusting this project, plus Iris Bass, Jessica Burr, Mike Edison, and all other Hal Leonard staff who have helped make this volume what it is visually and otherwise. For various acts of kindness and expertise I am indebted to Helena Jobim herself, her husband, Manoel Malaguti (in memoriam), Marco Feitosa, Thereza Otero Hermanny, Ana Lontra Jobim, and Cristina Rocha, in Brazil; and Ann Fifield, Kassandra Hartford, Maureen Hall, Rick Hogan, Janet Homer, Christopher Larkosh, and Charles Perrone, here in the United States.  Most of all, I am grateful for the generosity and inspiration from pianist and singersongwriter Robert Lamm, one of the founding members of the legendary  group Chicago.

domingo, 20 de novembro de 2011

De que ano mesmo?




Dário Borim Jr.

O quê? Já se fala em festas de fim de ano? Que ano? Outro dia me perguntei: em que ano estamos? Vocês até podem pensar que este cronista perdeu a cabeça, ou que ele está parodiando a mente de um típico professor universitário, compenetrado nos seus estudos mas avoado para o resto do mundo ao seu redor. Mas é verdade, esqueci mesmo, ou, para ser mais exato, fiquei numa dúvida cruel: agora é 2011 ou 2012? Cuidado, não deixem que isso lhes aconteça. Lembrem-se de Vinicius de Moraes. Ele dizia "que a coisa mais divina que há no mundo / é viver cada segundo como nunca mais". Tudo bem, Poetinha, estou com você, mas o que fazer se cada segundo que passa corre tão depressa que o próprio tempo parece escorrer por entre os dedos sem que tenhamos o prazer segurá-lo por um segundo sequer?
Enquanto Caetano Veloso diz que o tempo é "compositor de destinos / tambor de todos os ritmos", fico a meditar na natureza tão escorregadia desse elemento "tão inventivo" que se mostra "contínuo" sem o ser. Aliás, para mim o tempo não existe senão como forma de referência ao percebermos tudo o que se move, nasce ou se transforma (ou deixa de fazê-lo). Então, quando pouco ou nada disso ocorre (quando nada parece acontecer ao nosso redor), o tempo gruda, feito trepadeira em tronco de laranjeira, ou caminha manso, feito tartaruga sob sol quente. Para muita gente, tempo assim é bem-vindo, é tempo de paz, é tempo de desapego.
Não nasci para aquilo não. Lembro de um livro que li aos 20 e poucos anos, O Castelo de Axel, presente que recebi de um professor de literatura americana da UFMG, Thomas Burns -- obra publicada em 1931 pelo famoso crítico norte-americano Edmund Wilson (1895-1972). Wilson falava que para os escritores da década de 1920, a chamada Geração Perdida, como Ernest Hemingway, William Faulkner, e Scott Fitzgerald, o maior medo não era nem o da dor nem o do sofrimento, mas sim o da mesmice e do tédio. Aventura, risco, luta, e descobrimento, era isso que lhes dava sabor à vida e os impulsionava a escrever.
Lá pelos anos 80 eu já me identificava com aqueles expoentes das letras estadunidenses. O que eu não sabia era que minha vida pessoal e profissional (enquanto professor de literatura e cultura brasileiras no país de todos eles) se tornaria tão agitada e rica de desafios que me faria esquecer em que ano estamos. Decidi hoje à noite que, antes que 2011 acabe, é preciso voltar no tempo e reconhecer o que se moveu, nasceu ou se transformou ao meu redor neste segundo semestre.
Mal tinha regressado de minhas férias no Brasil, e eu já recebia e era responsável pela visita cultural de sete membros da Casa Grande, uma bela fundação sócio-educacional criada no sertão do Ceará. Aqui estiveram por uma semana inteira. Poucas semanas depois, eu faria um especial de rádio de três horas com música de Ivan Lins. A seguir, veio-me uma viagem a Nova Iorque, para o casamento de um cunhado em memorável cerimônia realizada em um barco que rodeava a ilha de Manhattan sob intensa neve. No fim de semana seguinte, desloquei-me para uma conferência em um congresso trans-disciplinar no estado de New Hampshire. Três dias depois de voltar de lá, sairia para outro congresso, esse na Universidade de Londres.
Ao longo desses meses, escrevi umas crônicas, dei minhas aulas, atuei como chefe de departamento, mas, principalmente, também conclui os trabalhos para edição de meu primeiro livro em inglês, a tradução da biografia Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado, escrito pela sua irmã, Helena Jobim. A vida não pára, e no momento cuido dos detalhes de duas conferências que estou organizando para a primeira metade do mês de dezembro, uma delas, com o distinto pesquisador Charles A. Perrone, lançando o livro que para sempre une dois famosos membros da família Jobim a um irrequieto filho da família Borim (a rima é perfeita). E tem mais. Uma editora paulista anda me cobrando um livro crítico sobre crônicas, pelo qual já temos contrato assinado. Queriam o manuscrito para meados de dezembro. Socorro, eu vou lhes dizer em um e-mail amanhã. Só dá para sair em fins de janeiro, na melhor das hipóteses. De que ano mesmo?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Woodstock de Paraguaçu

Fotos de Alexandre Borim Codo Dias


Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu 


As analogias não são meras tentativas de dizer algo por comparação, apesar de que, por natureza, sejam incompletas: exageram um pouquinho aqui ou se esquecem daquilo ali. Mesmo assim não as abandonamos porque podem explicar algo em poucas palavras ou tornar a comunicação mais picante, mais audaciosa. Por isso digo que o espetáculo organizado por minha prima (e primeira professora) Selma Sólia Násser em homenagem aos cem anos da música e dos músicos da nossa cidade foi, como bem o disse meu cunhado José Codo, o Woodstock de Paraguaçu.
Não havia roqueiro drogado, não se endeusaram mágicos malucos, não fizeram o show ao ar livre, não rolou sexo livre, e a cantoria não durou três dias. Porém, foram três horas de deleite inebriante, de prazer sensorial superior a muito amor carnal que "fica" por aí. O "Cem Anos de Música" realizou-se num teatro muito charmoso, e fez tributo a muita gente talentosa (como José Purífico e Célia Prado) que já faleceu há décadas. Como em Woodstock, entretanto, ouviu-se muita música boa, reuniram-se, ao vivo ou através do telão, um grande número de artistas, e ficaram para sempre gravadas na memória do público a melodia e a poesia de um povo tão extraordinariamente ligado a música.
Foi o nosso Woodstock, sim, principalmente, porque, infelizmente, podemos crer que jamais haverá outro, já que Paraguaçu não fará 100 anos outra vez e, quando outro número redondo assim surgir na nossa história, digamos, quando a cidade comemorar seus 150 ou 200 anos, estaremos todos ou quase todos nós mortos, bem mortinhos. Mais grave ainda: certamente não haverá outra Selma Sólia Násser para organizar tão bem um evento de tanta importância e tanta complexidade artística como foi o nosso Woodstock, realizado a 24 de setembro de 2011, no Teatro Donato Andrade.
Aceita aquela ideia geral de analogia, quem sabe encontremos outros pontos de contraste e semelhança. Ao invés de Jimmy Hendrix tocando a guitarra com os dentes, ou sapecando o hino nacional dos Estados Unidos em acordes dissonantes (visto a sua indignação com o papel do seu país na Guerra do Vitenã), tivemos um Rogerinho Salles cantando "Emoções" de Roberto Carlos e levando a platéia ao delírio (como diria Galvão Bueno) ao espalhar pétalas de rosas por onde passava. Se o festival de música numa zona rural do estado de Nova Iorque teve umas Mamas em Papas cantando "California Dreaming" ou qualquer outro de seus grandes sucessos, o Woodstock de Paraguaçu teve as gloriosas GANDS, banda lendária dos anos 60 que jamais deveria ter interrompido sua carreira musical. 
Entre os que estavam vivos àquela época e presentes aos sensacionais programas de domingo na Liga Operaria (a série Donato de Andrade Show), e que permaneceram vivos e espertos o suficiente para não perderem o grande evento na Praça Osvaldo Costa, inclusive meus pais, Dário e Lucci, não havia dúvida: Glória Sólia, Ângela Morais, Níobe Cardoso, Daciene Mendes e Sílvia Borim (mantendo-se os nomes daquela época) continuam súper-talentosas e ultra-charmosas. As GANDS arrasaram, como disseram muitos espectadores depois que voltaram para suas casas e se deram conta de que tinham presenciado um evento histórico da melhor qualidade e da maior importância para nossa cidade.
Por um momento, tantos de nós Paraguaçuenses ausentes, como Cristina Schmidt, em Goiânia, Lília Borim, em São Paulo, Rosa Mignacca, ou este saudoso cronista-professor-DJ, em Dartmouth, Massachusetts, desejamos que, diferente de Woodstock, o festival de música de Paraguaçu se repetisse, sim, e logo! À distância nós ficamos muito felizes com o videoclipe "Cem Anos de Música," realizado por Selma Sólia Násser e narrado por Gresse Leite Prado, mais um belo registro histórico que nosso querido e sábio Guilherme Prado editou e postou no FaceBook exatamente no mesmo dia em que o grande musical encantou a centenas de pessoas, em pé ou assentados, ao Teatro Donato Andrade. Ficamos muitíssimo gratos por essa canja audiovisual, maravilhosamente acessível pela mágica da internet aos quatro cantos do mundo, mas, sinceramente, queremos mais, queremos um segundo Woodstock de Paraguaçu, já -- uma segunda edição dos Cem Anos de Música para quem perdeu a primeira e para quem dela saiu com uma convicção e um desejo: "bom também, e queremos mais!"

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O espírito americano


O espírito americano

Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

Países extensos como os nossos, Brasil e Estados Unidos, oferecem-nos o mito dos campos abertos, das matas sem fim, e das estradas que não acabam mais. Parece que fica mais fácil sonhar com longas viagens em que veremos o desconhecido por infindáveis dias, semanas, ou até meses. Sonhar é uma coisa. Pegar no volante ou colar o traseiro num banco de passageiro por muitas horas, dia após dia, é outra. Chamo isto de espírito americano porque vejo mais desse fenômeno por aqui, ao norte do equador, do que aí, do Oiapoque ao Arroio Chuí.
Engraçado: será que o fenômeno é genético ou cultural? É que mês e meio atrás meu filho mais velho pôs em prática aquele espírito americano. Sei que Ian é filho de gente que gosta de estrada, gente que já mudou de casa, cidade, estado e país muitas vezes (sete vezes entre 1995 e 2001, por exemplo). Mas sendo ele filho de homem brasileiro e mulher americana, e tendo ele vivido tanto na América do Sul quanto na América do Norte, torna-se difícil atribuir a origem de tal espírito exclusivamente aos seus genes ou aos seus diferentes ambientes de criação.
O fato é que o rapaz convidou-me para acompanhá-lo numa longa viagem de carro até Manchester, uma cidade no estado do Tennessee, situada a 1.700 quilômetros de onde moramos, Dartmouth, Massachusetts. Haveria o famoso Bonnaroo Festival. Eu estava bem disposto a fazer-lhe companhia e desfrutar de um belo festival de música pop de quatro dias e quatro noites. Muita gente boa subiria ao palco, inclusive o canadense Neil Young. Por conta de um inevitável compromisso junto à universidade naqueles dias, não pude aceitar o convite. Ele não se intimidou,
“Problema não, pai. Vou sozinho.”
Com certeza não havia nem como tentar despersuadi-lo. Ele mesmo já tinha comprado ingressos que não eram nada baratos. Sobretudo, sabíamos muito bem como sua personalidade é muito forte e sua determinação (pra não dizer teimosia) era conhecida desde os tempos em que ele nem sabia falar direito o inglês ou o português. Naquela época em que ele e eu passeávamos de mãos dadas pelas ruas de Minneapolis, o danadinho já queria me mostrar em que ruas e em que direção nós deveríamos seguir. Sem exagero, aos dois anos e meio de idade o rapazinho já queria decidir o que seus pais deveriam comer quando íamos os três a um McDonald’s.
Então o que podíamos fazer, fizemos. Dono de um belo, mas velho carro, um Volvo verde 1999, Ian estaria mais seguro se viajasse na nossa van, a Entourage, da Hyundai, feita para sete passageiros. Com os bancos de trás embutidos, ele poderia dormir cinco noites muito bem utilizando um sleeping bag. O jovem prometeu que nos mandaria pelo menos dois torpedos diários. Assim o fez, e deu tudo certo. Seis dias depois de partir, cá estava de volta à casa. Aliviados e orgulhosos de sua bravura e sucesso, nós o recebemos repleto de sorrisos e de histórias.
Pais de filho-peixe, peixes também os são, não é? Chegou a nossa hora: Ann e eu, mais o nosso cão gigante, Sam, faríamos uma viagem de carro até Duluth, no estado de Minnesota, que fica a pouco mais de 2.200 quilômetros daqui de Dartmouth. Lá veio de novo o espírito americano. Ann decidiu que dava para fazer direto, dirigir sem parar a não ser para comer e usar o toalete. Sendo eu apenas um ex-rapaz de Paraguaçu, achei aquilo muito estranho, mas topei, porque afinal de contas também adoro estrada, e parece que nasci com sede de aventura. E não é que foi uma ótima opção? Quando um conduzia, o outro dormia. Sam, o constante vigilante rodoviário, de vez em quando roçava o focinho frio nos braços do motorista de plantão e assim prevenia o sono fatal. Ele mesmo não comeu nem dormiu um minuto sequer durante todo o trajeto.
Tínhamos saído sexta-feira, dia 15 de julho, pelas seis horas da tarde na direção noroeste, rumo ao Canadá. Atravessamos a fronteira logo após a cidade de Búfalo, no estado de Nova Iorque, pelas duas da madrugada, depois de um desnecessário misto de susto, desconforto e perplexidade. O oficial de fronteira canadense nos recebeu como se fôssemos dois possíveis criminosos. Sisudo, rude e desconfiado desde o primeiro instante, o baixinho de farda e colete à prova de balas deu vazão a sua estupidez com essa pergunta:
“Vocês estão carregando um daqueles sprays de pimenta?”
Quando, espantados, dissemos que não, ele não se contentou, e soltou mais essa pergunta estapafúrdia:
“Vocês têm alguma coisa contra sprays de pimenta?”
Caramba, de onde é que lhe veio essa idéia de que poderíamos estar carregando esse tipo de pistola para auto-segurança? O homem era muito estranho. Parecia cuspir ódio pelos olhos. Deixou-nos entrar no seu belo país, mas antes nos atirou mais essas duas perguntas:
“Vocês estão carregando armas? Vocês têm armas em casa?”
Na noite de sábado, vinte e seis horas depois da partida, nós chegávamos à aconchegante Duluth, cidade que, entre todas, mundo afora, possui o cais comercial mais distante da costa. A cerca de 2.000 quilômetros, seu cais recebe navios transatlânticos. No Canadá eles descem o Canal do Rio São Lourenço, atravessam os cinco Grandes Lagos, e assim transportam minério de ferro e grãos para o resto do planeta. Com certeza Duluth também recebe outros viajantes que vêm de muito longe, como nós, que vimos nove veados mortos à beira do asfalto. Por ali também encontramos dois lindos ursos negros— livres, alegres e aventureiros filhotes a salpicar sob um escaldante sol de verão pelas estradas da vida.

Mirem-se nas cenas de Atenas

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